Vários países avançaram para o reconhecimento do Estado palestiniano, que toda a gente diz que é só simbólico, mas desagradou muito a Israel e agradou muito aos palestinianos. Eu recordo que se recuarmos a 1948, quando Israel declara a independência, e se dá aquilo que os palestinianos consideram uma catástrofe, havia desde um ano antes um plano da ONU para dois Estados. Não sente que não foi feito verdadeiramente esforço para concretizar, ao longo de décadas, nem pelos israelitas e palestinianos, nem pelo mundo árabe, nem pela própria comunidade internacional?
Até ao 7 de Outubro eu via quase cada mês o presidente palestiniano Mahmoud Abbas. Eu tenho uma relação com ele de décadas, desde o princípio dos anos 90, e um dia ele disse-me assim, “nós podíamos ter já um Estado há 76 anos”. Naquela altura era há 76 anos. Houve cinco momentos na história, um deles com o próprio Abbas, nos quais a Palestina podia ter sido fundada como Estado ao lado de Israel, mas sem dúvida o mais importante de todos foi em 1947, que é o que está a citar, 29 de novembro, a decisão de que agora que os britânicos vão embora, repartir este território em dois, um Estado judeu e um Estado árabe-palestiniano. O que aconteceu foi que David Ben Gurion, decide, apesar de não gostar das fronteiras, aceitar essa divisão, ele diz que mais vale um pássaro na mão, enquanto que o lado árabe convence a liderança palestiniana da época a não aceitar, dizendo que “nós vamos limpar o terreno todo, os judeus não têm nenhuma possibilidade”. Eram 600 mil pessoas, das quais metade sobreviventes do Holocausto, gente débil nos seus corpos, nas suas almas, e não tinham armas nessa altura. Então eles disseram “vamos vencer estes judeus e todo o território será para vocês”. Esse é o grande drama palestiniano, porque não foi a única vez. O desejo de tudo ou nada levou os palestinianos a que em 2025 ainda não tenham um Estado independente real. E o que têm, e é importante, é simbólico, são 150 países que reconhecem o Estado palestiniano, mas como me dizem em Ramalhah os meus amigos na Mukataa, na sede palestiniana, que trabalham com Abbas, “estamos fartos de declarações, o que queremos é factos no terreno”. Os palestinianos perderam várias oportunidades mais, e duas delas eu cobri como jornalista: uma foi em Camp David, em 2000, quando com Bill Clinton Arafat recebe uma proposta de Ehud Barak de 96% da Cisjordânia a troco dos 4% restante, que são colonatos, haveria intercâmbio de territórios com israel, 100% de Gaza, partes de Jerusalém Oriental, inclusive uma bandeira palestiniana nas mesquitas de Jerusalém, o que hoje pode parecer ficção científica. Nesse momento foi oferecido e Arafat disse que não. E quando o meu amigo Miguel Ángel Moratinos, condecorado por Arafat, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, enviado especial da União Europeia aqui, lhe perguntou minutos depois, no heliporto da base de Andrews, porque é que não aceitou? Ele disse “porque se eu aceitasse matavam-me”. Referia-se ao Hamas, à Jihad Islâmica. Ele teve medo. Não esteve à altura de um Sadat egípcio ou de um Rabin israelita. E esse é o grande drama. A minha esperança é que já haja hoje em dia, já esteja neste mundo, aquele líder palestiniano que vai saber encontrar um acordo salomónico. E também em Israel, eu espero que já esteja aqui.
Terá de uma nova liderança israelita, porque Netanyahu nunca mostrou convicção num Estado palestiniano?
Não, isso não é bem verdade porque eu tive conversas com ele no passado, nas quais ele me perguntou, por exemplo, sobre Andorra ou sobre a Costa Rica, como era um Estado que não tem exército. E há o famoso discurso de Bar-Ilan, em 2009, no qual ele apoiou um Estado palestiniano desmilitarizado. Neste momento ele tem uma coligação na qual se dissesse isso caía o governo cinco minutos depois, então não o vai fazer. Em qualquer caso é irrelevante, porque o que é importante aqui é se vamos ou não ter as circunstâncias que possam levar no futuro ao Estado palestiniano. De todas as alternativas que há sobre a mesa, e sobre as quais ninguém fala, é curioso, a de um Estado palestiniano é a menos má, e portanto temos que tentar construí-la. A comunidade internacional, mas eu acredito sobretudo no mundo árabe, tem que ajudar a desradicalizar a Palestina. É preciso educar para a paz. Na Palestina, sobretudo em Gaza, eu vi os livros de matemática, nos quais os problemas que dão às crianças são “se eu tento matar 15 judeus e não consigo matar 3 deles, quantos consegui matar?”. É assim que se ensina.
Quando visitei os kibbutz perto de Gaza, nomeadamente o Nir Oz, percebi que muitas das pessoas mortas ou sequestradas eram do chamado campo da paz, e que os sobreviventes se sentiam traídos pela violência. Não há neste momento na sociedade israelita uma desumanização dos palestinianos em consequência do terror do 7 de Outubro?
É difícil falar neste país de sociedade israelita, porque sabe que dois judeus, três opiniões. Toda a gente aqui tem uma opinião diferente. Neste momento, para a maioria da sociedade, até mesmo para alguns setores que há pouco tempo apoiavam um Estado palestiniano, não é fácil digerir este tsunami diplomático, que é visto como um prémio ao Hamas. E é curioso porque justamente o Hamas não quer um Estado palestiniano. Eles boicotaram o Estado palestiniano nos anos 90, com os seus atentados suicidas, quando Rabin e Arafat estavam quase a fazê-lo, e agora boicotaram não só isso, como a normalização entre Israel e vários países árabes, entre eles a Arábia Saudita. Os israelitas neste momento estão a viver uma situação de trauma, e por isso é que eu digo que é preciso construir esta confiança. Eu acredito que não há outra alternativa para o futuro. Isso vai chegar de uma maneira ou de outra. Um Estado palestiniano ao lado de Israel. O Hamas o que quer é um Estado islâmico em toda a região, em Israel e na Palestina. Agora que o Hamas fica fora de jogo, esperemos, depois desta guerra, talvez haja mais possibilidades de poder construir isso. Eu sei que uma parte importante da sociedade israelita estará disposta a isso só com três condições. Segurança, segurança e segurança. Se os israelitas têm a certeza que não pode haver outro 7 de Outubro, vão pensar de outra maneira. Mas não será amanhã.
Será quando?
Acho que é necessária uma declaração Balfour para a Palestina. Igual à que se fez em 1917, em que os britânicos declararam que os judeus tinham direito a um lar nacional, e demorou 31 anos nessa altura até que aconteceu. Acho que chegou o momento de dizer que a comunidade internacional e o mundo árabe e os próprios palestinianos que aceitam estar ao lado de Israel e não em cima de Israel, mais Israel, têm que construir essa opção, demore o que demorar. E é preciso construir um sistema educativo. Há já, em segredo, e sem mais detalhes para não complicar, uma iniciativa árabe internacional para reconstruir o sistema educativo em Gaza e depois na Cisjordânia, o que para mim é essencial, é uma condição sine qua non para que algum dia possa haver paz aqui e quem sabe possa criar-se um Estado palestiniano finalmente ao lado de Israel que viva em paz. Há quem diga que para isso é necessário que Israel e a Palestina entrem na União Europeia. É talvez preciso que Israel entre na NATO, por exemplo, o que talvez dê essa sensação de segurança aos israelitas tão necessária para poder aceitar que haja fronteiras aqui ao lado. Pense que Israel é mais pequeno do que o Alentejo. Israel, aqui muito perto de onde eu vivo, em Telavive, um pouquinho mais ao norte, entre o Mar Mediterrâneo e a Cisjordânia, tem 14 quilómetros de largura. Isso é realmente a barriga estratégica de Israel no seu lugar mais sensível, onde está a metade da população israelita. Os israelitas precisam de segurança, os palestinianos precisam de justiça. E é preciso que esta nova geração de liderança, que eu espero que chegue ao poder muito em breve, nos dois lados, possa começar este processo com o apoio real, não o apoio declarativo, da comunidade internacional e do mundo árabe. Porque países como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egito, o que querem é estabilizar a região, para uma nova era, que possa desenvolver a economia, a tecnologia, todas as coisas que sonhamos para o século XXI, e não guerra, guerra, guerra.