Minha grande diversão nesta semana foi ler o livro “O Segredo Final”, de Dan Brown. Seu personagem ícone, o professor Robert Langdon, vivido por Tom Hanks (imagem) no cinema, está de volta – e desta vez, o cenário principal é a cidade de Praga, na República Tcheca. O livro é uma narrativa típica de Dan Brown: dezenas de pequenas informações históricas e científicas estão contidas nas falas dos personagens, em especial nas de Langdon, uma espécie de Google ambulante para os assuntos aleatórios do universo.
O livro mistura ação frenética, investigações, pontos turísticos e reflexões sobre moralidade, ética, tecnologia e espiritualidade. Mas o tema central do enredo gravita em torno dos mistérios da consciência humana: uma cientista chamada Katherin Solomon escreve um livro que é alvo de agentes da CIA por conter um tema sensível ao governo americano.
E qual seria esse tema? A cientista Solomon desenvolve uma tese segundo a qual não existe uma consciência única. Todos nós fazemos parte de uma consciência coletiva e nossos cérebros são antenas que se conectam a uma rede maior. Ocorre que recebemos substâncias inibidoras de nosso próprio organismo para não nos conectarmos integralmente com essa onda. Mas alguns de nós, ou por genialidade absoluta ou pelo consumo de substâncias psicotrópicas, conseguem se sintonizar com essa percepção coletiva e produzir pensamentos brilhantes ou muito originais. Além disso, quem desenvolve essa conexão pode se descolar do corpo físico e se lomover mentalmente para onde quiser.
Evidentemente, essa é uma especulação que pode ou não ter fundamento. Mas, ao mesmo tempo, é possível encarar essa ideia como uma grande metáfora para os tempos atuais, quando nossos pensamentos são fortemente influenciados pelo conteúdo postado nas redes sociais – e podem ser moldados, daqui para frente, por interações frequentes com as ferramentas de inteligência artificial.
Há muitos de nós que atuam como voyers no universo digital: assistem vídeos e leem postagens, mas pouco se influenciam pelo conteúdo que consomem. São pessoas que possuem uma antena que captura as influências externas, mas não as internalizam. Têm grande senso crítico e questionam aquilo que estão consumindo.
Outros são totalmente conectados e interagem profundamente, moldando suas opiniões às ideias que acessam diariamente. Para essas pessoas, é difícil saber onde seus pensamentos terminam e os dos outros começam. São donos de antenas poderosas, que acessam informações, conceitos e pontos de vista e assumem tudo como se aqueles pensamentos tivessem saído de suas cabeças.
Voltando ao tema proposto por Dan Brown, que permite reflexões muito interessantes por parte dos leitores. O trecho abaixo mostra a dificuldade da cientista em fazer seus interlocutores entenderem o conceito de uma consciência que está fora da mente humana. Aqui, Katherine Salomon está em um restaurante e mostra a seu interlocutor um alto-falante sem fio que está tocando uma música clássica.
“Digamos que Mozart tivesse avançado no tempo e se juntado a nós neste exato momento, nesta mesa de almoço. Ele ficaria maravilhado ao ouvir música saindo daquela caixinha. No mundo dele não existiam gravações. Quando ele ouvia música, havia sempre uma orquestra presente. Logo, ao ver o alto-falante, ele poderia chegar à conclusão equivocada de que há uma orquestra escondida atrás da parede, ou mesmo uma orquestra em miniatura dentro do próprio alto-falante. No entendimento intelectual dele não haveria outra possibilidade. Ele nunca concluiria que a música na verdade estava pairando silenciosamente à nossa volta em forma de ondas de rádio, e de alguma maneira sendo recebida por esse alto-falante. Nós poderíamos tentar explicar nossa realidade para Mozart, mas ele não teria a estrutura de referências necessária para entender. A primeira técnica primitiva de gravação ainda demoraria mais cem anos para ser inventada depois da morte dele. O que eu quero dizer é: aqui estamos nós, sentados ao redor desta mesa na Manhattan moderna, mas explicar a consciência não local para vocês dois é meio como tentar descrever as ondas de rádio para Mozart. Na realidade dele, a música só vem de músicos tocando instrumentos em tempo real, não há outra possibilidade. Mas, na nossa realidade, as coisas são diferentes. No mundo da consciência não local, a música existe por toda parte à nossa volta. Nosso cérebro simplesmente ‘se sintoniza’ para ouvir essa música”.
Um dos personagens, assim, conclui que, segundo a cientista, a consciência é uma espécie de Netflix que nossos cérebros assinam. Trata-se de um conceito original e divertido, que pode gerar inúmeras reflexões contra ou a favor.
O livro, qualquer que seja sua posição sobre o tema proposto, é bastante divertido e, apesar de seguir a mesma fórmula de obras prévias, como “O Código Da Vinci” e “Anjos e Demônios”, vale a pena. Recomendo.