Um novo estudo global publicado na revista “The Lancet” conclui que 42% das mortes por cancro em 2023 estiveram associadas a 44 fatores de risco evitáveis, desde o tabaco e o álcool à obesidade, alimentação pouco saudável e exposição à poluição.
De acordo com o jornal El País, esta investigação, que analisou dados de 200 países, alerta que a incidência de cancro continua a aumentar e poderá crescer 61% até 2050, impulsionada pelo envelhecimento populacional e pelo crescimento demográfico.
O tabaco permanece como a maior causa de morte evitável por cancro, estando ligado a uma em cada cinco mortes registadas no último ano. Os investigadores sublinham, contudo, que outros comportamentos nocivos estão a ganhar peso. A obesidade, o sedentarismo, o consumo excessivo de álcool e dietas pobres em fibras, frutas e vegetais estão entre os fatores de risco que mais contribuem para o aumento da doença.
Segundo o autor principal do estudo, Theo Vos, do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde da Universidade de Washington, “o peso destes fatores modificáveis é cada vez mais preocupante, sobretudo porque muitos são preveníveis através de políticas públicas eficazes”.
O estudo assinala ainda o papel de exposições ambientais e ocupacionais, como o contacto com amianto, arsénico e poluição atmosférica, que continuam a representar uma fatia significativa dos cancros do pulmão e do trato respiratório.
Os autores do relatório defendem que uma grande parte destas mortes poderia ser evitada através de medidas de prevenção primária, como aumento da tributação sobre o tabaco e o álcool, programas de vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV), e campanhas de educação alimentar e promoção da atividade física.
Num comentário anexo ao estudo, os investigadores Qingwei Luo e David Smith, da Universidade de Sidney, reforçam que “a redução destes comportamentos modificáveis teria benefícios não apenas na luta contra o cancro, mas também contra doenças cardiovasculares e metabólicas, que partilham muitos dos mesmos fatores de risco”.
Um dos alertas mais preocupantes do relatório é o crescimento de certos tipos de cancro em adultos com menos de 50 anos. Tradicionalmente associada ao envelhecimento, a doença tem vindo a atingir faixas etárias mais jovens.
O oncologista Jesús García Foncillas, presidente da Fundação ECO para a Excelência e Qualidade em Oncologia, aponta hábitos alimentares modernos e alterações da flora intestinal como possíveis causas deste fenómeno, em especial no cancro colorretal.
“Não podemos baixar a guarda nem pensar que o problema está resolvido. Temos de reeducar as novas gerações e fomentar estilos de vida saudáveis”, defendeu o médico ao El País.
A carga de cancro não é homogénea no mundo. Apesar de as taxas de mortalidade ajustadas por idade terem descido 24% entre 1990 e 2023, os avanços concentram-se sobretudo nos países de alto rendimento.
Nas regiões mais pobres, a situação é inversa: a incidência ajustada por idade aumentou até 29% e as mortes subiram 17% no mesmo período. Para Theo Vos, esta disparidade reflete “o acesso limitado ao diagnóstico precoce, aos tratamentos e a infraestruturas de saúde adequadas”.
Os países com baixos recursos serão, segundo os investigadores, os mais afetados pelo aumento previsto de casos e mortes até 2050, quando se esperam 30,5 milhões de novos diagnósticos e 18,6 milhões de óbitos.
Em países como Espanha, a taxa de mortalidade por cancro ajustada por idade caiu 28% nas últimas três décadas, enquanto nos Estados Unidos e na China a descida foi de 33% e 43%, respetivamente. No entanto, em países como o Líbano ou a Índia, os índices aumentaram significativamente, revelando a necessidade de estratégias adaptadas a cada contexto.
Para Vos, a resposta passa por “reduzir o consumo de tabaco e álcool, travar o aumento da obesidade, expandir as campanhas de vacinação e garantir o acesso equitativo ao tratamento”.
A médica Isabel Echavarría, da Sociedade Espanhola de Oncologia Médica, acrescenta que os resultados devem ser vistos como “uma chamada de atenção para agir antes que o problema se agrave”.
“É essencial trabalhar na prevenção e no diagnóstico precoce. Controlar os fatores de risco pode reduzir substancialmente a mortalidade por cancro”, afirmou.
O estudo publicado na The Lancet é, segundo os autores, uma “chamada de atenção” global: apesar de os avanços médicos terem melhorado a sobrevivência, o peso dos comportamentos evitáveis continua a crescer. “Precisamos de agir agora”, alertam os investigadores, “porque o futuro do cancro será determinado não só pela medicina, mas pelas escolhas que fazemos todos os dias.”