Neurocientistas de 22 laboratórios uniram forças numa parceria internacional sem precedentes para produzir um feito histórico: um mapa neural que mostra a atividade em todo o cérebro durante a tomada de decisões.
Os dados, recolhidos em 139 ratos, abrangem a atividade de mais de 600.000 neurónios em 279 áreas do cérebro – cerca de 95% do cérebro de um rato. Este mapa é o primeiro a fornecer uma imagem completa do que acontece em todo o cérebro quando é tomada uma decisão.
“Criaram o maior conjunto de dados alguma vez imaginado a esta escala”, afirmou Paul W. Glimcher, presidente do departamento de neurociência e fisiologia e diretor do Instituto de Neurociência da Grossman School of Medicine da Universidade de Nova Iorque, sobre os investigadores.
No domínio da neurociência, “isto vai ficar na história como um grande acontecimento”, garantiu à CNN Glimcher, que não esteve envolvido na nova investigação.
Para construir o mapa, os investigadores começaram por criar um procedimento padronizado para ser partilhado entre laboratórios e, em seguida, seguiram a atividade neural dos ratos à medida que estes respondiam a estímulos visuais, integrando todos os dados recolhidos por cada laboratório. Após sete anos de trabalho e apresentados em dois estudos, os resultados foram publicados recentemente na revista Nature.
“Há basicamente dois grandes resultados, e é por isso que temos dois artigos”, disse Alexandre Pouget, professor catedrático de neurociência básica na Universidade de Genebra. Um estudo descreveu a distribuição generalizada da atividade elétrica relacionada com a tomada de decisões. O outro utilizou os dados para avaliar a forma como as expectativas moldam as escolhas. Pouget é coautor do primeiro estudo e autor sénior do segundo.
“Começámos do zero”, disse à CNN. “Nunca ninguém tinha tentado fazer algo deste género.”
Investigações anteriores sugeriam que pequenos grupos de neurónios disparavam apenas em algumas partes do cérebro durante a tomada de decisões, sobretudo em áreas relacionadas com a entrada sensorial e a cognição. Mas o novo mapa revela que a atividade neural é muito mais generalizada, com sinais elétricos a percorrer quase todo o cérebro do rato durante as diferentes fases da tomada de decisão.
Nas imagens estáticas, cada ponto é escalado linearmente de acordo com a taxa de disparo média bruta desse neurónio até um tamanho máximo. Daniel Birman/International Brain Laboratory
De um único neurónio a milhares em simultâneo
Durante décadas, os cientistas estudaram a atividade cerebral durante determinadas tarefas utilizando elétrodos que registam impulsos elétricos de neurónios individuais. Mas registar um neurónio de cada vez é difícil e lento; vários meses de trabalho produziriam resultados de cerca de 100 neurónios, o que torna esta técnica mais adequada para estudar regiões do cérebro muito específicas.
Na última década, a neurociência deu um salto gigantesco com o desenvolvimento de sondas neurais digitais chamadas Neuropixels, que podem monitorizar milhares de neurónios ao mesmo tempo. Estes elétrodos sensíveis foram uma ferramenta essencial para a criação do novo mapa.
“Passámos de olhar para apenas algumas centenas de neurónios numa área para 600.000 neurónios em todas as regiões do cérebro”, apontou Pouget.
Nas experiências, os ratos usavam capacetes com elétrodos enquanto rodavam um pequeno volante para controlar o movimento de um círculo às riscas pretas e brancas num ecrã. O círculo aparecia brevemente no lado esquerdo ou no lado direito do ecrã, e os ratos que conseguiam dirigir o círculo para o centro recebiam uma recompensa de água com açúcar. À medida que os ratos respondiam ao que viam, as sondas Neuropixels registavam sinais elétricos nos seus cérebros.
De acordo com o mapa, a atividade começou por aumentar na parte de trás do cérebro, nas áreas que processam a informação visual. A atividade espalhou-se depois por todo o cérebro, com as áreas de controlo motor a iluminarem-se quando a decisão do rato culminava em movimento. A atividade cerebral generalizada seguiu-se quando o rato recebeu a sua recompensa açucarada.
“Não se trata apenas de algumas áreas envolvidas, mas de uma rede muito grande de áreas que trabalham em conjunto”, sublinhou Pouget. Saber quanto do cérebro está envolvido nas decisões ajudará os investigadores a realizar estudos mais direcionados sobre comportamentos complexos, referem os autores.
Os investigadores também incluíram um desafio extra para os ratinhos. Por vezes, o círculo era ténue ou quase invisível. Para decidir para que lado rodar a roda para obter uma recompensa, o rato teria de se lembrar do que viu em tentativas anteriores.
“Chama-se a isso conhecimento prévio”, explicou Pouget. “Todas as decisões que tomamos são tomadas dessa forma.”
Os neurocientistas já tinham levantado a hipótese de que o cérebro acede ao conhecimento prévio no início da tomada de decisões, “para que, assim que se começa a processar o estímulo sensorial, se faça no contexto do que se espera”, disse Pouget.
O mapa cerebral demonstrou que esta previsão estava correta, observou.
Um “Sloan Digital Sky Survey” para o cérebro
Tal como as colaborações internacionais em grande escala noutras disciplinas transformaram a forma como a ciência é conduzida, o âmbito do trabalho que produziu o mapa de atividade cerebral é um fator de mudança para a neurociência, apontou Glimcher.
“Tradicionalmente, as ciências biológicas têm sido uma ciência de laboratório para laboratório”, ao contrário das colaborações multilaboratoriais que ocorrem frequentemente na física e na astronomia, observou. Um exemplo notável é o Sloane Digital Sky Survey, que envolve centenas de astrofísicos e astrónomos e produziu os mapas 3D mais detalhados do universo jamais feitos, abrangendo mais de um terço do céu noturno.
“O Sloan Digital Sky Survey revolucionou a forma como recolhemos dados astronómicos e os distribuímos pelos astrofísicos”, afirmou Glimcher. A visão da organização de investigação por detrás do mapa do cérebro – o International Brain Laboratory – “era construir um Sloan Digital Sky Survey para o cérebro”.
O ideal, acrescentou Pouget, cofundador do IBL, é que este mapa seja o primeiro de muitas colaborações em grande escala entre neurocientistas: “Esperamos que isto inspire outros grupos a começar a trabalhar com este tipo de abordagem.”
*Mindy Weisberger é uma escritora científica e produtora cujo trabalho foi publicado na Live Science, Scientific American e na revista How It Works. É autora de “Rise of the Zombie Bugs: The Surprising Science of Parasitic Mind-Control” (Hopkins Press)