Boletim de MR sobre medicina, pesquisa, inovação, saúde mental, negócios e políticas públicas
Anticoagulante pode evitar mortes por infecção pulmonar
Pesquisas sobre uso fora da bula de medicamentos (quando uma substância funciona para uma finalidade diversa da original) trazem novidades constantes. A mais recente vem do King’s College, de Londres, sobre a versão inalável do anticoagulante de largo emprego heparina. Testes com 500 pacientes em seis países indicaram redução das chances de morte em casos graves de infecções pulmonares, como as provocada pela covid-19. Os pacientes que inalaram heparina tiveram metade da probabilidade de necessitar de ventilação mecânica e apresentaram risco significativamente menor de morte em comparação com aqueles que receberam tratamento padrão.
Os pesquisadores acreditam que o medicamento também possa ser útil no combate a outras infecções respiratórias graves, como a pneumonia. Aplicação similar já passou por estudos no Brasil. Durante a pandemia, em 2021, 27 pessoas acometidas pela forma grave da doença que estavam internadas no Hospital das Clínicas de Botucatu (SP) foram tratadas com uma formulação de heparina inalável. Sete dias depois os médicos notaram que os pacientes já não apresentavam inflamação pulmonar e a necessidade de oxigênio havia diminuído.
A pesquisa britânica foi publicada na eClinicalMedicine e apresentada no Congresso Internacional da Sociedade Respiratória Europeia (ERS), em Amsterdã, em 28 de setembro. Os testes em Botucatu foram conduzidos no âmbito de um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com participação das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp), Federal de São Paulo (Unifesp) e Keele (Reino Unido), com resultados divulgados na revista Scientific Reports, em março.
Autismo: termo vago para uma condição complexa
Cientistas descobriram que os acometidos por síndrome de espectro autista possuem perfis genéticos diferentes entre si. Um estudo internacional baseado em dados genéticos de mais de 45 mil pessoas que sofrem do quadro na Europa e nos EUA mostrou que aqueles diagnosticados na primeira infância, geralmente antes dos seis anos, eram mais propensos a apresentar dificuldades comportamentais, incluindo problemas de interação social, porém permanecendo estáveis. Já os diagnosticados mais tarde, geralmente após os 10 anos, tinham maior probabilidade de enfrentar dificuldades sociais e comportamentais crescentes durante a adolescência e também tinham maior probabilidade de problemas de saúde mental, como depressão.
“O termo autismo provavelmente descreve múltiplas condições”, disse Varun Warrier, do Departamento de Psiquiatria de Cambridge, autor sênior da pesquisa. “Pela primeira vez, descobrimos que o autismo diagnosticado precocemente e o diagnosticado tardiamente apresentam diferentes perfis biológicos e de desenvolvimento”, disse.
As descobertas surgem depois que o diagnóstico de autismo no Reino Unido aumentou quase 800%, entre 1998 e 2018. Especialistas dizem que isso se deve em grande parte à ampliação dos critérios e ao maior reconhecimento da condição. A análise foi publicada na Nature e constatou que o perfil genético médio do autismo tardio é mais próximo dos Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) e depressão do que o do autista identificado na primeira infância.
Composto vegetal é arma contra doença gengival
Uma equipe de pesquisadores brasileiros testou o composto vegetal morina contra bactérias causadoras de doenças gengivais. Foram registrados efeitos antimicrobianos, anti-inflamatórios e antioxidantes. Encapsulada em polímero, a substância em pó poderia funcionar em produtos de higiene bucal, eventualmente até substituindo antibióticos em casos não cirúrgicos, com a vantagem de evitar os efeitos colaterais. A morina é elaborado a partir de folhas de goiaba, cascas de maçã e figo, certos chás e amêndoas.
Os estudos laboratoriais in vitro foram conduzidos na Faculdade de Odontologia de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (FOAr-Unesp). Os resultados foram publicados no Archives of Oral Biology, com a participação de cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (FCFAr-Unesp), da Universidade de Araraquara (Uniara) e da Faculdade de Odontologia da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
Eurofarma distribuirá semaglutida da Novo Nordisk
As farmacêuticas Novo Nordisk e Eurofarma anunciaram na quarta-feira (1º) uma parceria para expandir o alcance da semaglutida biológica injetável no Brasil. O acordo quer ampliar a distribuição do medicamento em farmácias e regiões não atendidas pela Novo Nordisk. A Eurofarma será a distribuidora exclusiva para a comercialização e promoção de duas novas marcas de semaglutida injetável de uso semananal: Poviztra, para o tratamento da obesidade e do sobrepeso com comorbidades associadas, e Extensior, para diabetes tipo 2.
“A Novo Nordisk tem orgulho de liderar a inovação em terapias com GLP-1 e de transformar vidas com medicamentos como Wegovy e Ozempic. Esta parceria é um passo estratégico para garantir que nossa inovação chegue a ainda mais pessoas em todo o Brasil, com a mesma confiança e qualidade de sempre”, afirma Allan Finkel, vice-presidente da Novo Nordisk Latam e Brasil. “A Eurofarma traz a experiência e a capacidade da sua força de vendas para ampliar o alcance desses produtos”, destaca Renata Campos, CEO Brasil da Eurofarma.
O que MR publicou
SUS fará cirurgia de câncer de próstata por robô
O Ministério da Saúde incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) a prostatectomia radical assistida por robô para o tratamento de pacientes com câncer de próstata clinicamente avançado.A prostatectomia radical é uma cirurgia para remover a próstata e as vesículas seminais, sendo um tratamento curativo para o câncer de próstata, principalmente em estágios iniciais. Nesse procedimento, a próstata é removida completamente, juntamente com os tecidos ao seu redor, como as vesículas seminais e, em alguns casos, os linfonodos pélvicos, para eliminar o tumor e reduzir o risco de recorrência.
“Reconhecemos que há um esforço por parte da equipe técnica em promover equidade no tratamento e assegurar que mais pacientes possam se beneficiar dos melhores cuidados disponíveis”, disse o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Rodrigo Nascimento Pinheiro. Ele explicou que a técnica robótica tem mostrado sua eficácia na formação de novos profissionais, reduzindo a curva de aprendizado ao permitir treinamentos em ambientes controlados e supervisionados.
Demência por corpos de Lewy: entenda doença de Milton Nascimento
A demência por corpos de Lewy, diagnosticada no cantor Milton Nascimento (imagem acima), de 82 anos, é uma doença sem cura, mas os medicamentos adequados podem atenuar os sintomas e retardar as perdas cognitivas. Essa é a terceira forma mais comum das chamadas síndromes demenciais, atrás do Alzheimer e da demência vascular. Não há dados oficiais de quantas pessoas sofrem de demência no Brasil, mas os estudos mais recentes estimam que afetem entre 12,5% e 17,5% da população.
De acordo com André Felício, coordenador da pós-graduação em Neurologia da Afya Educação Médica, é esperado que o desempenho cognitivo seja afetado pela velhice, mas nem sempre isso significa um quadro demencial. “A suspeita vem no momento em que esses problemas, por exemplo, perda de memória para fatos recentes, ou não conseguir mais prestar atenção ou entender as coisas que lê, começam a interferir na rotina. O ponto chave que diferencia alguém com demência e sem demência é independência”, explica o neurologista.
No entanto, muitas condições podem impactar o desempenho neurológico dos idosos, por isso é necessário que um especialista conduza uma investigação a partir da observação de sintomas, associada a testes neuropsicológicos e exames de imagem. “A ressonância magnética de crânio, por exemplo, na doença de Alzheimer, mostra atrofia em uma região do cérebro, nos lobos temporais, onde fica o hipocampo. E a gente não vê isso na demência por Lewy, por exemplo. Outra coisa é o exame de avaliação da dopamina no cérebro, que em Lewy está alterada e em Alzheimer, não”
Essa alteração de dopamina explica outra importante característica da demência por corpos de Lewy: os sintomas parksonianos, ou seja, característicos da doença de Parkinson. “Quando a gente faz um diagnóstico de Lewy, é muito comum que essas pessoas antes tenham sido diagnosticadas com Parkinson. Na verdade, elas sempre tiveram Lewy, mas o quadro cognitivo ainda não tinha se manifestado.”
O próprio Milton Nascimento se encaixa nesse padrão, já que foi diagnosticado com Parkinson há cerca de dois anos. Os principais sintomas são tremores e rigidez muscular.
Apesar de a ciência ainda não ter desvendado as causas da demência, André Felício destaca que alguns fatores que diminuem ou aumentam o risco são conhecidos.
“Parece redundante falar, mas a gente vai voltar ao básico, aos hábitos de vida saudável. A gente sabe que exercício físico é neuroprotetor. A gente sabe que o sono é neuroprotetor. A gente sabe que uma alimentação que lembra a dieta mediterrânea e que você criar uma reserva cognitiva ao longo da vida são neuroprotetores. Assim como a gente sabe o contrário: o álcool vai piorar isso, o sedentarismo, a hipertensão, o diabetes, a obesidade e por aí vai”
As orientações do especialista vão ao encontro dos resultados de um estudo recente, liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, que concluiu que 60% dos casos de demência podem ser atribuídos a fatores modificáveis e, portanto, poderiam ser prevenidos.