Gavin Newsom tem tentado fazer ao presidente dos EUA e companhia o que o presidente dos EUA faz a todos os seus rivais. Até agora, está a resultar
Ainda antes de ser presidente, Donald Trump fez da sua conta no Twitter um lugar de escárnio, gozo e muita controvérsia. Lembramo-nos das publicações em que disse que o seu QI era “um dos maiores”, em que aconselhou o ator Robert Pattinson a terminar a sua relação com Kristen Stewart, e em que desejou um feliz 11 de setembro “mesmo para os haters e para os falhados”.
A forma e intensidade dos posts acompanharam-no durante a primeira presidência e, já após a suspensão no Twitter e da “migração” para a sua rede social, a Truth Social, a retórica teclada de Trump tornou-se mais agressiva. As ameaças a líderes mundiais, locais e até mesmo às autoridades, multiplicaram-se ao longo dos anos, assim como o número de seguidores
Perante este bravado, a resposta dos democratas pareceu sempre tímida. Ninguém quis jogar tão baixo como o presidente, pelo menos até há uns meses.
As publicações de Gavin Newsom, governador democrata da Califórnia, e da sua assessoria de imprensa, começaram a aparecer no feed do X regularmente. Aparentavam ser iguais às de Trump: muito Caps Lock, insultos gratuitos, memes para consumo rápido e vídeos feitos com recurso à inteligência artificial. Os alvos mais populares, para além do presidente, são JD Vance e os jornalistas da Fox News como Sean Hannity e Jesse Waters, vistos como pontas de lança na defesa do chefe de Estado.
As publicações sobre o vice-presidente estão entre as que fazem mais sucesso. Só nos últimos dias, a conta da sua assessoria publicou uma fotografia de Vance em drag, para criticar a hipocrisia dos republicanos sobre a atuação do cantor porto-riquenho Bad Bunny no próximo Superbowl, e um vídeo feito com inteligência artificial em que JD Vance conta “a história dos sofás”, uma alusão a uma piada popularizada no X, de que o vice-presidente já praticou relações sexuais com um destes objetos.
POOR JD! HIS SWEET BELOVED COUCH NOW COSTS MORE WITH THE TARIFFS! pic.twitter.com/dNvISJcSPq
— Governor Newsom Press Office (@GovPressOffice) September 30, 2025
Após mais de uma década, há finalmente um democrata disposto a jogar na mesma arena do presidente, algo há muito desejado pela base do partido que frequenta as redes sociais, diz à CNN Portugal Elex Michaelson, pivô e jornalista da CNN Internacional radicado em Los Angeles e que há anos acompanha Newsom, tendo já entrevistado o governador em algumas ocasiões.
“A maioria das pessoas acredita que ele quer ser presidente dos Estados Unidos e que o objetivo é chamar a atenção para que ele possa ser presidente. Mas, se lhe perguntares, ele dir-te-á que o seu objetivo é mostrar o que ele diz ser a hipocrisia de Donald Trump e da abordagem republicana”, explica Michaelson, quando questionado sobre a razão de uma nova abordagem à comunicação.
“Quando lhe perguntei, há cerca de um mês, porquê a mudança dramática de estratégia, ele disse-me que foi muito impactado pela abordagem do presidente. (…) E ele disse-me que Trump está agora num ponto em que representa uma ameaça para os Estados Unidos. Quer estar do lado certo da história e não quer ter arrependimentos no final do seu mandato como governador”, acrescentou.
Este estilo de comunicação contrasta com o habitual dos democratas. Michaelson lembra as palavras de Michelle Obama para descrever a estratégia do partido: “when they go low, we go high”, qualquer coisa como “quando eles baixam o nível, nós subimos”.
“Há um reconhecimento entre alguns membros do partido de que a estratégia não está a funcionar. E, por isso, há uma vontade por parte de alguns de tentar outra coisa. E parece haver um debate real entre os potenciais candidatos presidenciais democratas sobre qual deve ser essa abordagem. Nem todos adotaram a abordagem de Newsom. Na verdade, a maioria das pessoas não o fez, e é por isso que ela se destacou tanto. Não estamos a falar de J.B. Pritzker, Kamala Harris, Pete Buttigieg ou qualquer outro candidato que tenha tentado uma abordagem mais tradicional”, explicou.
Por contraste, Newsom segue a máxima de Bill Clinton, “uma das suas referências na política”, que diz que os americanos preferem alguém que seja “forte e errado” do que “fraco e correto”.
“Ele acha que o Partido Democrata é visto como fraco e ineficaz em enfrentar Donald Trump. E, especialmente online, onde Newsom passa muito tempo, ele acha que tem havido um verdadeiro vácuo”.
Gavin Newsom, à direita, fala ao lado do ex-presidente dos EUA Bill Clinton durante a Clinton Global Initiative em Nova Iorque, 24 de setembro de 2025 (Andres Kudacki/AP)
Os esforços nas redes sociais parecem estar a dar resultado. Uma sondagem do Emerson College realizada em agosto coloca Newsom como favorito à nomeação democrata, reunindo a preferência de 25% dos inquiridos. O número mais do que duplicou em dois meses; em junho, apenas 12% dos inquiridos apoiariam uma candidatura do governador da Califórnia nas primárias democratas.
No entanto, muito antes de qualquer primária, Newsom está a travar uma batalha que pode mudar a configuração da Câmara dos Representantes. Dia 4 de novembro, os californianos vão deslocar-se às urnas para votar sobre a Proposition 50. O objetivo desta medida é claro: reformular os mapas dos distritos eleitorais de modo a beneficiar os democratas que, em teoria, poderiam obter mais uma mão cheia de lugares na Câmara nas próximas eleições, em 2026.
A ser aprovada, a Proposition 50 romperia com quase duas décadas de esforços conjuntos entre democratas e republicanos. Desde 2008 que os mapas são desenhados por uma entidade bipartidária, a California Citizens Redistricting Comission.
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, assina legislação que prevê a realização de eleições especiais sobre um novo mapa eleitoral do Congresso, 21 de agosto de 2025 (Godofredo A. Vásquez/AP)
A medida surgiu em resposta às alterações feitas no mesmo sentido no Texas, mas pelos republicanos, para que o partido de Donald Trump consiga eleger mais representantes.
Até ao momento, a campanha pelo ‘sim’, liderada por Newson, arrecadou mais de 75 milhões de euros em financiamento, um número muito superior ao do não, que conseguiu angariar cerca de 34 milhões de euros.
A popularidade de Newsom parece estar a crescer e o governador da Califórnia tem surfado a onda. A presidência dos EUA poderá estar no horizonte. “Não estou a pensar em concorrer, mas é um caminho que eu poderia ver a acontecer”, disse o governante ao Wall Street Journal em junho.
Os desafios
No entanto, Newsom ainda tem de percorrer um longo caminho para convencer o resto dos americanos. Uma sondagem da Gallup publicada em agosto deste ano coloca Gavin Newsom como uma das figuras menos populares. Apenas 30% têm uma opinião favorável do governador da Califórnia, contra 41% que o veem de forma negativa.
Um dos fatores que pode explicar a sua popularidade negativa é a perceção externa que os restantes americanos têm do estado que governa. Cidades com Los Angeles e São Francisco têm má reputação entre os mais conservadores e são vistas como antros de consumo de droga e sem-abrigos.
De facto, em janeiro de 2024, a Califórnia era o estado que mais pessoas tinha em situação de sem-abrigo, com cerca de 187 mil californianos a viver nas ruas nessa altura, o que correspondia a 0,48% da população do estado.
Os números do consumo de droga também impressionam. Em 2023, 7560 pessoas morreram de overdose de opioides no estado.
Elex Michaelson afirma que esta pode ser uma questão delicada para Newsom. “É uma grande fraqueza para ele e é um problema grave. Newsom diria que investiu mais na luta contra os sem-abrigo do que qualquer outro governador da Califórnia. Mas, de uma perspetiva objetiva, ainda há muitas pessoas sem-abrigo nas ruas, mais do que em qualquer outro estado do país. E isso é problemático”, afirma o pivô da CNN Internacional.
Pessoas sem-abrigo em Skid Row, zona da baixa de Los Angeles que tem uma das maiores populações deste tipo nos EUA (Jae C. Hong/AP)
Outro problema para o governador da Califórnia, mais impactante entre os eleitores de esquerda, é a sua posição acerca do conflito israelo-palestiniano. Newsom disse recentemente num podcast que tem “profunda reverência” pelo Estado de Israel, e visitou o país cerca de duas semanas após o 7 de Outubro, onde se encontrou com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e famílias de reféns, conta Michaelson, que acompanhou Newsom nessa viagem.
No entanto, Elex Michaelson afirma que o impacto do conflito israelo-palestiniano é, para já, quase nulo para Newsom. “É o governador da Califórnia, o que é obviamente um cargo muito importante e de grande responsabilidade. Mas ele não supervisiona a política externa dos Estados Unidos. Portanto, ele não precisa assumir o controlo da situação da mesma forma que Joe Biden e Kamala Harris tiveram de fazer”, diz o jornalista.
Para já, a estratégia de Newsom vai surtindo os seus efeitos. Mas ainda há alguns pontos de interrogação. “Esta abordagem vai se tornar cansativa com o tempo? As pessoas vão se cansar? Ainda não sabemos, mas tem sido boa na economia da atenção”, conclui Michaelson.