Rua de Santa Catarina, no Porto
O sonho europeu de muitos brasileiros tem-se desvanecido face ao crescimento exponencial do custo de vida em Portugal. Casos como o de Lara Sheffer, tradutora de 30 anos que regressou ao Brasil em agosto, ilustram uma tendência que afeta milhares de imigrantes brasileiros no país — e não só.
Em junho de 2023, Lara Sheffer mudou-se para Portugal com o namorado, que tinha recebido uma proposta de trabalho em Oeiras.
Dois anos mais tarde, porém, os seus gastos mensais tinham aumentado cerca de 400 euros — sem contar a renda.
O apartamento que o casal arrendou em 2023 por 935 euros custava em agosto deste ano 1.250 euros, um aumento que Lara considerou “absurdo para um T1“.
“Temos mais qualidade de vida em Florianópolis do que em Portugal”, conta à BBC a brasileira, que decidiu regressar à sua cidade, no sul do Brasil.
Este aumento de custos reflete uma tendência nacional: segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, a inflação atingiu 2,8% em agosto, impulsionada principalmente pelo aumento de 4% nos preços dos alimentos.
De acordo com o Idealista, em agosto de 2025 o preço médio para arrendamento era de 16,8 euros por m², um aumento de 3,3% relativamente ao mesmo período de 2024. Numa consulta rápida, o ZAP verificou que em setembro o valor tinha subido para 16,9 euros por m²: um aumento mensal de 0,7% e anual de 4,1%.
Portugal é mesmo o país da União Europeia onde o preço das casas mais sobe, segundo apontam dados do Eurostat divulgados esta sexta-feira: em 15 anos, os preços das casas em território nacional mais do que duplicaram; no mesmo período, o valor do Salário Mínimo Nacional subiu de 475 para 870 euros.
Segundo especialistas consultados pela reportagem da BBC, esta subida dos custos de arrendamento tem múltiplas causas, incluindo fatores externos. Os preços das rendas na União Europeia subiram cerca de 28% entre 2010 e 2025, enquanto o valor das casas avançou mais de 55%.
Em Portugal, a estas pressões externas juntam-se a “turistificação” e a forte procura de imóveis por estrangeiros, principalmente em Lisboa e no Porto, explica à BBC João Lopes Nyegray, professor de Geopolítica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Também a criação de vistos para nómadas digitais fez crescer a presença de profissionais com salários mais elevados, criando um “duplo estrangulamento”: enquanto por um lado a procura cresce, a construção de novos imóveis é travada pelo aumento dos custos de financiamento e de materiais.
Impacto na comunidade brasileira
Para Nyegray, esta dinâmica afeta particularmente os imigrantes brasileiros, que se concentram em setores de serviços, construção civil e comércio, com salários próximos do mínimo.
Em Lisboa e Porto, as rendas podem consumir 40% a 60% do rendimento familiar, tornando “a permanência em Portugal material e socialmente inviável para parte relevante desta comunidade”.
O bibliotecário Lucas Carrera, 37 anos, é um exemplo esta realidade. Após sete anos em Lisboa, mudou-se em setembro para Barcelona, onde duplicou o salário e conseguiu arrendar um apartamento no centro da cidade por 630 euros, um valor impossível na capital portuguesa.
“Em Portugal o salário não acompanhou o custo de vida”, diz Lucas, que salienta que os gastos semanais no supermercado passaram de 20 para 50 euros.
Glauco Brandão, de 42 anos, seguiu caminho semelhante. Após cinco anos em Lisboa, onde ganhava 1.600 euros mensais mas pagava 700 euros de renda, mudou-se para Gent, na Bélgica, onde ganha o dobro do que ganhava, numa cidade com custos semelhantes mas rendas mais baixas e melhor estrutura habitacional.
O geógrafo Luís Filipe Gonçalves Mendes, da Universidade de Lisboa, dá ao fenómeno o nome de “turbo-gentrificação“. Os preços da habitação subiram até 300% nos últimos 15 anos, enquanto cerca de 20% da população abandonou os centros históricos entre 2011 e 2021.
Mendes considera que “uma cidade sem imigrantes já não é uma cidade“, tornando-se “etnicamente limpa, com ausência total de cosmopolitismo”.
A expansão do alojamento local, o aumento da procura por estrangeiros com maior poder de compra e a entrada de fundos imobiliários que tratam a habitação como ativo financeiro contribuíram para esta escalada. A estagnação salarial agrava a situação: o Salário Mínimo Nacional de 870 euros é um valor insuficiente face aos custos habitacionais, diz a BBC.
Mas o fenómeno não atinge exclusivamente a comunidade brasileira em Portugal. Na verdade, parecem ser os portugueses os mais afetados.
Segundo dados do governo brasileiro citados pela BBC, a comunidade brasileira legalizada em Portugal contava com 513 mil pessoas em 2023.
No mesmo ano, segundo o Relatório de Migrações e Asilo de 2023 da AIMA, 52,4% das Notificações de Abandono Voluntário foram submetidas por brasileiros. Esta percentagem corresponde a 345 notificações, ou seja, 0,07% da comunidade brasileira em Portugal abandonou voluntariamente o nosso país.
De acordo com dados do Observatório da Emigração, em 2023 emigraram cerca de 70 mil portugueses, sensivelmente 0,66% da população do país. Em proporção, há 10 vezes mais portugueses do que brasileiros insatisfeitos com as condições de vida que o nosso país proporciona.