O Barão de Rothschild (1777-1836), ícone da dinastia bancária que dominou as finanças europeias, cunhou uma das frases mais provocativas do mercado: “Compre quando há sangue nas ruas, mesmo que o sangue seja o seu.” A frase nasceu no calor das Guerras Napoleônicas, quando boatos de derrota britânica fizeram os preços despencarem. Enquanto todos corriam, Rothschild comprava ativos a preço de liquidação. Quando veio a notícia da vitória inglesa, encheu os bolsos de ouro e a história o consagrou como o investidor que tinha coragem de ir contra o pânico coletivo.
Mais de um século depois, Bob Farrell (1930–2021), estrategista-chefe da Merrill Lynch por quatro décadas, trouxe sua própria dose de sabedoria. Criou as famosas “10 Regras de Farrell”, ainda citadas por gestores e traders mundo afora. A de número 9 é a mais lembrada: “Quando todos os especialistas e previsões concordam, outra coisa vai acontecer.” Farrell era um mestre em desconfiar do consenso, lembrando que o mercado gosta de pregar peças justamente quando todos se sentem confortáveis demais.
Já John Templeton (1912–2008), outro gigante dos investimentos, construiu sua fama durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, comprando ativos justamente quando a maioria tinha medo até de olhar para a bolsa. Sua frase ficou para a eternidade: “Os mercados de alta nascem do pessimismo, crescem com o ceticismo, amadurecem com o otimismo e morrem na euforia.” Templeton não apenas acreditava nisso — ele investia nisso.
Três homens, três estilos, uma mesma filosofia: não andar no fluxo da massa. Não se deixar levar pela narrativa do momento.
Porque o mercado, como sabemos, adora exagerar — seja para cima, seja para baixo.
E o açúcar, hoje, poderia muito bem ilustrar essas máximas. Desde 1975, vi o mesmo roteiro repetir-se dezenas de vezes.
Mercados que embalam todos num coro altista — como o cacau em 2024, atingindo os inacreditáveis US$ 10.000/tonelada antes de despencar mais de 50%; o açúcar em 2023, que durante o Sugar Dinner brasileiro flertava com os 29 centavos/libra-peso, para depois derreter até 19; ou o café robusta em Londres, que explodiu para mais de US$ 5.000/tonelada e depois mergulhou para US$ 3.000 em menos de sete meses. A lista é longa.
E o inverso também se repete: mercados em baixa, em que todo mundo vira profeta do desastre. O açúcar vive esse momento agora: a cada manchete, a cada boato, aparece mais uma narrativa baixista. E o exemplo mais recente foi a entrega física.
Os livros acadêmicos de commodities — como os da professora francesa Hélyette Geman, que teve entre seus orientandos ninguém menos que Nassim Taleb — ensinam que, em teoria, a entrega física em bolsa representa o último recurso do vendedor. É o equivalente a dizer: “não encontrei ninguém disposto a pagar melhor pelo meu produto, então vou entregar na bolsa.” Dentro dessa lógica conceitual, uma entrega volumosa, como a que ocorreu nesta semana em Nova York, de nada menos que 1,5 milhão de toneladas, deveria ser interpretada como um sinal de fraqueza, portanto baixista.
Mas os mercados raramente se comportam de acordo com os manuais. Na prática, a entrega física pode esconder estratégias comerciais complexas que vão muito além da simples falta de comprador. O problema é que não temos acesso ao “livro” completo de cada participante — que inclui não só o fluxo físico da mercadoria, mas também a movimentação de spreads, coberturas cruzadas e operações estruturadas que escapam à análise superficial. É como tentar decifrar um quebra-cabeça de mil peças olhando apenas para uma ou duas: a imagem que se forma é sempre incompleta e, muitas vezes, enganosa.
Conclusão? Teoria e prática nem sempre se abraçam no mercado de commodities. A entrega pode, sim, ser um indício de pressão baixista, mas pode também revelar ajustes táticos, mudanças de mix produtivo ou até mesmo estratégias de suprimento de trading flow. Em resumo: quem tentar tirar conclusões definitivas apenas dessa peça isolada corre sério risco de enxergar um tigre onde havia apenas um gato listrado.
Um executivo me disse que a trading chinesa que recebeu parte desse açúcar provavelmente está atendendo a uma demanda pontual de seu país, que passou despercebida pelo radar concorrência. Outro especialista comentou que a trading ligada a produtores está alterando o mix para etanol — mais lucrativo no momento — e, portanto, usou a entrega física para garantir os embarques de açúcar já comprometidos. Ou seja, estratégia pura. O setor precisa pensar de forma integrada: açúcar e etanol como vasos comunicantes, com o trading flow equilibrando a balança entre oferta e preço.
NY resistiu bem e encerrou a sexta-feira com o vencimento março/26 cotado a 16.50 centavos de dólar por libra peso, uma leve apreciação de 15 pontos no acumulado da semana. Os vencimentos que compõem a safra 26/27 do Centro-Sul fecharam em alta média de 11 pontos (2.50 dólares por tonelada).
Os números da UNICA mostraram que a primeira quinzena de setembro apresentou uma moagem de 45.97 milhões de toneladas de cana, acumulando 450.01 milhões de toneladas. A produção de açúcar acumulada bateu 30.39 milhões de toneladas praticamente o mesmo volume do ano passado. A ATR média da safra apresenta 134.08 uma queda de 5.5 kg de ATR por tonelada. O consenso agora parece apontar para uma produção total entre 580 e 595 milhões de toneladas de cana e entre 38.5 e 40.5 milhões de toneladas de açúcar. A conferir.
Enquanto isso, nos EUA, o shutdown do governo paralisou serviços federais e ninguém sabe quando o CFTC vai publicar o relatório Commitment of Traders. Estamos, portanto, temporariamente cegos quanto à posição dos fundos especulativos. É como dirigir à noite sem faróis: você até segue em frente, mas sem a menor ideia do que vem na próxima curva.
Nosso colaborador, Marcelo Moreira, acredita que o março-26, após negociar nas mínimas dos últimos 3 anos a 15,76 centavos de dólar por libra-peso (dia 23 de setembro-25), voltou a trabalhar dentro da Banda de Bollinger dos 50 dias. Aparentemente nos 16.00 centavos de dólar por libra-peso o mercado encontrou um “fundo de curto prazo”. Próximas resistências a 16.28 e 15.92 centavos de dólar por libra-peso e resistências a 16.72 / 17.04 e 17.54 centavos de dólar por libra-peso (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting; 3/10/25)