A Paramount, gigante norte-americana do audiovisual, detentora dos estúdios de cinema com o mesmo nome, da CBS ou da MTV, confirmou nesta segunda-feira o que era antecipado há várias semanas: a compra, por 150 milhões de dólares, do The Free Press, o site e newsletter de Bari Weiss, antiga jornalista e colunista do New York Times (NYT). Tão ou mais significativa do que a aquisição é a nomeação, como parte do acordo, de Weiss para directora de informação da televisão CBS News.

O negócio entrega a gestão editorial do canal a Weiss, de 41 anos, que não tem qualquer experiência televisiva. A jornalista esteve três anos na secção de opinião do NYT, onde conquistou protagonismo como uma voz crítica da esquerda, dos movimentos progressistas norte-americanos e do que apelidava de “cultura de cancelamento”, de que também se considerava vítima.

Acabou por sair do jornal em 2020, com estrondo, acusando o diário nova-iorquino de estar tomado por “justiceiros sociais” que, acusava, condicionavam a liberdade de expressão e a diversidade de opinião (na origem do conflito, a publicação, muito criticada internamente, de um artigo do senador republicano Tom Cotton em que este apelava à repressão armada dos protestos pela morte de George Floyd). A sua mediática saída, que valeu a Weiss o acolhimento por importantes figuras do Partido Republicano e do universo conservador, serviu de rampa de lançamento para o seu próprio projecto, The Free Press (TFP, originalmente chamado Common Sense), uma muito bem-sucedida newsletter na plataforma Substack, também com uma versão em site e podcast, que conquistou milhão e meio de assinantes em quatro anos.

Publicação generalista com ênfase no comentário e no ensaio, a linha editorial do TFP alinha-se com posições de longa data de Weiss: a defesa de Israel, da liberdade de expressão, e a crítica do progressismo de esquerda e da imprensa tradicional. A par de outras publicações, o TFP foi um dos principais promotores da narrativa de que universidades norte-americanas como Columbia ou Harvard estavam crescentemente tomadas por movimentos pró-palestinianos de cariz anti-semita, posteriormente aproveitada pela Administração Trump como um pretexto para a tomada de controlo do ensino superior nos Estados Unidos. Outras causas comuns do TFP de Weiss e da Casa Branca: a crítica às políticas de diversidade e inclusão e às terapias de transição de género em menores.

Cedências a Trump

Weiss, que se diz sionista e centrista, rejeitando contudo a etiqueta de conservadora, assume a liderança editorial da CBS News numa altura particularmente delicada para a estação televisiva, outro dos alvos de eleição do Presidente Donald Trump. Em Julho, a CBS aceitou pagar 16 milhões de dólares ao chefe de Estado para encerrar um processo movido por Trump, que acusava o canal de ter manipulado uma entrevista com Kamala Harris, sua rival democrata nas eleições presidenciais de 2024, para prejudicar a candidatura do republicano. Os jornalistas da estação, incluindo Bill Owens, produtor executivo do programa 60 Minutos, no qual a entrevista foi difundida, negam as acusações de parcialidade e criticaram a decisão do canal de chegar a acordo com Trump. Owens demitiu-se e a então presidente da CBS, Wendy McMahon, também.

O pagamento a Trump foi decidido quando a Paramount, detentora da CBS, aguardava por luz verde dos reguladores norte-americanos para consumar a sua fusão com a Skydance, outra empresa do meio audiovisual. A aprovação do negócio multimilionário, que reforçou o peso da Paramount no mercado norte-americano, surgiu ainda em Julho, três semanas após o acordo com o Presidente.

Outras aparentes cedências à Administração republicana acompanharam o processo de fusão da Paramount e da Skydance: a nomeação de um antigo responsável de um think tank ultraconservador como provedor da CBS e o anúncio do cancelamento, programado para 2026, do talk show de Stephen Colbert, humorista crítico de Trump, abertamente celebrado pelo Presidente.

Junta-se agora a compra do TFP e a promoção da sua responsável, Weiss, elogiada por figuras próximas da Administração Republicana. “A partir de hoje, sou editora-chefe da CBS News, trabalhando com novos colegas em programas que impactaram a cultura americana durante gerações — programas como o 60 Minutos e o Sunday Morning — e que moldaram a forma como milhões de americanos lêem, ouvem, vêem e, mais importante de tudo, compreendem as notícias no século XXI”, escreveu a jornalista no TFP, acrescentando que vai prosseguir a sua “missão” numa “plataforma muito maior” que a sua newsletter independente.

Na mesma nota, Weiss justifica o regresso à comunicação social mainstream como uma “oportunidade única na vida” para moldar o jornalismo norte-americano. “Se o iliberalismo das nossas instituições tem sido a grande história da última década, agora enfrentamos uma forma diferente de iliberalismo que emana das margens. De um lado, uma extrema-esquerda que odeia a América. Do outro, uma extrema-direita revisionista. Estes extremos não representam a maioria do país, mas têm um crescente poder na nossa política, cultura e ecossistema mediático”, prossegue.

“Ignorados por estes supostos interlocutores estão números enormes de americanos inteligentes, politicamente misturados e pragmáticos. As pessoas que não pedem desculpa por acreditar no projecto americano. Esse é o verdadeiro mainstream. Essas pessoas são a maioria esmagadora do país. E têm sido mal servidas”, afirma Weiss. “A América não pode evoluir sem factos comuns, verdades comuns e uma realidade comum”, conclui.