A expectativa de vida global aumentou, as taxas de mortalidade estão caindo, mas entre adolescentes e adultos jovens elas estão mais altas e já se configuram uma crise emergente no mundo.
Na América do Norte e América Latina, o aumento das mortes de jovens é atribuído ao suicídio e ao consumo de álcool e outras drogas. Na África Subsaariana, às doenças infecciosas e lesões não intencionais.
Os dados constam no mais recente relatório Global Burden of Disease (GBD), publicado neste domingo (12) na revista científica The Lancet e apresentado na Cúpula Mundial da Saúde, que acontece em Berlim, na Alemanha. O trabalho é o maior e mais abrangente estudo global que quantifica a mortalidade e as incapacidades em diferentes países e ao longo do tempo. Os dados do Brasil ainda não foram destrinchados.
Liderado pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da Escola de Medicina da Universidade de Washington, conta com uma rede de 16,5 mil pesquisadores que coletaram dados entre 1990 e 2023. Foram consultadas mais de 310 mil fontes de dados.
Entre adolescentes e adultos jovens, o maior aumento nas mortes foi registrado na faixa etária de 20 a 39 anos na América do Norte, principalmente devido a suicídio, overdose de drogas e grandes quantidades de álcool.
No mesmo período, o número de mortes infantis diminuiu mais do que em qualquer outra faixa etária. O Leste Asiático registrou a maior queda: 68% entre menores de cinco anos devido a melhor nutrição, vacinas e sistemas de saúde mais fortes.
Já na África Subsaariana houve aumento da mortalidade em crianças de 5 a 14 anos impulsionado por altas taxas de infecções respiratórias e tuberculose, outras doenças infecciosas e lesões não intencionais.
Entre as mulheres adultas jovens, de 15 a 29 anos, as taxas de mortes subiram 61%, principalmente devido à mortalidade materna, lesões nas estradas e meningite.
“Décadas de trabalho para fechar a lacuna em regiões de baixa renda com desigualdades persistentes na saúde correm o risco de se desfazer devido aos recentes cortes na ajuda internacional“, disse Emmanuela Gakidou, autora sênior e professora do IHME.
“Esses países dependem do financiamento global da saúde para cuidados primários, medicamentos e vacinas que salvam vidas. Sem isso, a lacuna certamente aumentará.”
De acordo com o estudo, as doenças não transmissíveis (DNTs) foram responsáveis por quase dois terços do total de mortes e incapacidades do mundo, segundo o GBD. As três principais causas foram doença cardíaca isquêmica, AVC (acidente vascular cerebral) e diabetes. As regiões de baixa renda também viram um aumento acentuado nas DNTs.
Os pesquisadores estimam que quase metade de todas as mortes e incapacidades poderiam ser evitadas modificando alguns dos principais fatores de risco, como reduzir níveis elevados de glicose no sangue e de índice de massa corporal (IMC).
Segundo Christopher Murray, diretor do IHME e coordenador do estudo, as evidências apresentadas são um alerta para que líderes governamentais e de saúde respondam de forma rápida e estratégica às necessidades de saúde pública.
“O rápido crescimento do envelhecimento da população mundial e a evolução dos fatores de risco deram início a uma nova era de desafios globais de saúde”, disse em comunicado.
De acordo com a pesquisadora Isabela Benseñor, professora associada da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora de um grupo colaborador no GBD no Brasil, à medida que as pessoas vivem mais, ficam expostas a fatores de risco por mais tempo.
“Antigamente a pessoa infartava aos 60 anos e morria. Hoje, com a melhoria dos tratamentos, ela sobrevive, mas, se não cuida da hipertensão, fica sujeita a outras doenças, como AVC e doença renal.”
Para ela, o Brasil tem desafios adicionais porque, além de lidar com o aumento de doenças crônicas, ainda enfrenta carga das doenças infeciosas e das causas externas, como acidentes e outras violências, que afetam os mais jovens.
Cuide-se
A expectativa de vida global voltou aos níveis pré-pandemia de Covid: 76,3 anos para mulheres e 71,5 anos para homens —20 anos a mais em comparação com 1950.
Apesar do progresso, as desigualdades geográficas permanecem gritantes, com a expectativa de vida variando de 83 anos, em regiões de alta renda, a 62 anos na África Subsaariana.
As mesmas disparidades são observadas na idade média global de morte. Nas regiões de alta renda, as mulheres morrem, em média, com 80,5 anos, e os homens, com 74,4 anos. Já na África Subsaariana, a média é de 37,1 anos para mulheres e 34,8 anos para os homens.
Mortes por doenças não transmissíveis têm alta
As avaliações de saúde global do GBD estão descritas em três grandes estudos que fazem análises demográficas, sobre causas de morte e sobre carga de doenças, lesões e fatores de risco.
O segundo estudo, sobre causas de morte, reforça que elas estão mudando de doenças infecciosas para doenças não transmissíveis (DNTs), criando novos desafios globais de saúde, principalmente para países de baixa renda.
Depois de se tornar a principal causa de morte em 2021, a Covid caiu para o 20º lugar em 2023. A doença cardíaca isquêmica e o acidente vascular cerebral voltaram ao topo, seguidos por doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções respiratórias inferiores e distúrbios neonatais.
De 1990 a 2023, a taxa padronizada por idade de anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) caiu 36%. Isso mede o total de anos de vida saudável perdidos, examinando os anos perdidos por morte prematura e os anos vividos com incapacidade.
De 2010 a 2023, as taxas de DALY para doenças transmissíveis, maternas, neonatais e nutricionais (CMNN) caíram quase 26%. Isso foi liderado pela redução das taxas de doenças diarreicas pela metade, de 43% nas taxas de HIV/Aids e uma queda de 42% para tuberculose.
Quase metade da mortalidade e morbidade globais em 2023 foi atribuída a 88 fatores de risco modificáveis. Os dez fatores de risco com maior proporção de perda de saúde foram: pressão arterial sistólica elevada; poluição por material particulado; tabagismo; glicose plasmática alta em jejum; baixo peso ao nascer e gestação curta; IMC alto; colesterol LDL alto; disfunção renal; falha no crescimento infantil; e exposição ao chumbo.
Novos métodos de modelagem GBD para exposição ao chumbo, o 10º principal risco, também revelaram uma ligação direta com doenças cardiovasculares.
A remoção de chumbo do combustível contribuiu para declínios substanciais na exposição ao longo dos anos, mas ainda é um contaminante ambiental comum que pode ser encontrado em tintas de edifícios mais antigos, solo contaminado, água, especiarias e muitos utensílios de cozinha.
A jornalista viajou a Berlim a convite da Vital Strategies