Em causa estão 60 boletins – cujos votos ainda não foram contados. No domingo, a CDU ficou a 11 votos do Chega na eleição para a Câmara de Lisboa e perdeu um vereador por causa disso
Os 60 eleitores que se dirigiram à Câmara de Lisboa a 5 de outubro para o voto antecipado para as autárquicas verificaram um erro num dos boletins: o papel em que constavam os diferentes partidos candidatos à Assembleia de Freguesia de São Domingos de Benfica não tinha um quadradinho a seguir ao nome do partido Chega (carregue AQUI para ver o boletim na origem do problema).
O caso, segundo fontes autárquicas ouvidas pela CNN Portugal, foi resolvido da seguinte forma: todos os boletins preenchidos pelos eleitores de São Domingos de Benfica, incluindo não só os que contavam para a Junta de Freguesia mas também para a Assembleia Municipal de Lisboa e para a Câmara Municipal, ficariam fechados até esta terça-feira, altura em que começaram as assembleias gerais de apuramento de voto. Ou seja, nenhum daqueles votos foi contado até agora.
Às 09:00 desta terça-feira, quando os representantes dos diferentes partidos de Lisboa chegaram ao Palácio das Galveias, muitos foram surpreendidos com a informação dos responsáveis da averiguação de votos: só agora é que esses boletins começariam a ser contados e a previsão do resultado final só chega esta quinta-feira.
Estes 60 votos podem tornar-se um elemento capaz de condicionar um dos resultados mais “taco a taco” nas autárquicas deste domingo: a luta pelo terceiro lugar na Câmara de Lisboa e a possibilidade de se eleger dois vereadores da oposição.
Como o Chega ficou 11 votos à frente da CDU, pelo método de Hondt tem capacidade de eleger dois mandatos, sendo que os comunistas nessa diferença eleitoral ficam reduzidos a um vereador. Mas esses 60 votos podem mudar as relações de força na autarquia, para não falar da possibilidade de um desses partidos vir a pedir a recontagem dos votos ou mesmo a impugnação dos resultados.
A candidatura de João Ferreira (CDU) já disse entretanto que este pode ser um tema que leve os comunistas a avançar com um pedido de recontagem, uma intenção que levou o recém-eleito vereador do Chega Bruno Mascarenhas a acusar o PCP de “tentar vencer na secretaria” e de ter levado para a assembleia geral de apuramento “vários elementos, os chamados controleiros, para pressionar e tentar obter uma vantagem que possa alterar aquilo que foi o voto popular”.
No entanto, há algumas limitações previstas na lei eleitoral para estas assembleias. Como explica André Wemans, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), as assembleias de apuramento geral de votos – que decorrem até esta quinta-feira nos municípios portugueses – não reapreciam na totalidade todos os boletins entregues nas urnas. Em vez disso, “analisam os votos de protesto, que dizem respeito aos eleitores que protestaram por terem sido impedidos de votar, e reapreciam os votos que foram considerados nulos”. “Isto pode levar a pequenas alterações, tendo em conta os resultados provisórios.”
Há também a possibilidade de os partidos, durante estas assembleias, pedirem a recontagem dos votos em algumas freguesias, mas só e apenas se fundamentarem com elementos que o justifiquem, nomeadamente um erro geral que afete em toda a linha a votação – sendo que a proximidade de resultados por si só não é um critério aceitável – como, aliás, explicou a candidatura de João Ferreira.
O PS de Braga e o PSD de Loulé já admitiram pedir a recontagem dos votos. No caso da estrutura bracarense dos socialistas, o motivo deu-se por a diferença dos socialistas para os sociais-democratas ter sido de cerca de 270 votos. Já no município algarvio, o social-democrata Hélder Martins disse ter detetado uma série de irregularidades, como falta de documentos ou boletins “que não estariam conformes”.
De qualquer maneira: caso os partidos não concordem com os resultados afixados em edital após a referida assembleia de apuramento geral, têm então a possibilidade de avançar com a impugnação dos resultados, eventualmente possibilitando a repetição da votação – como aconteceu nas legislativas de 2022 com os votos da imigração do círculo da Europa.
Em 2022 foram contabilizados votos recebidos que não estavam acompanhados de cópia do cartão de cidadão do remetente, o que levou o PSD a denunciar “fraude eleitoral”. Na sequência disso, PAN, Livre, Volt, Chega e MAS avançaram com recursos para o Tribunal Constitucional – que, de forma inédita, mandou repetir as eleições nas 139 mesas da Europa.
Essa é a “solução mais grave e radical para esta questão”, explica o constitucionalista Jorge Pereira da Silva, que sublinha que, para que uma repetição da votação, o partido que recorrer para o Tribunal Constitucional tem de “mostrar claramente uma averiguação que revele uma irregularidade generalizada e que tenha tido impacto significativo”.