Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES e uma das principais arguidas do processo Universo Espírito Santo, procurou esta terça-feira dissociar-se de muitas das operações tratadas no DFME (Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos), que estava sob a sua liderança, afastando-se, por exemplo, de operações com a Eurofin, sociedade que terá levado à retirada de cerca de 1,3 mil milhões de euros do BES.
Com efeito, a antiga responsável do DFME não conseguiu apresentar justificações ao tribunal para explicar o porquê de ser envolvida em comunicações de outros elementos do DFME, designadamente Pedro Pinto, Pedro Serra ou António Soares, também em iniciativas com outras ‘sociedades veículo’ (SPV, na sigla em inglês) — como a Zyrcan ou a Jarvis — na órbita do BES, isto é, entidades criadas para efetuarem transações ou projetos financeiros específicos. Paralelamente, assegurou que só recebia instruções do antigo administrador financeiro Amílcar Morais Pires.
A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo
“Não consigo perceber sequer do que é que se está a falar“, referiu a antiga diretora financeira do BES ao ser confrontada com um email de julho de 2012 de António Soares, antigo administrador do BES Vida e igualmente ligado ao DFME, em que este fala sobre Jean-Luc Schneider, ex-responsável operacional da sociedade ES Enterprises e que desempenhou ainda outros cargos no seio do Grupo Espírito Santo.
Este desconhecimento, aliás, viria a ser reforçado pela arguida inúmeras vezes ao longo da sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa relativamente a matérias distintas. “(António Soares) Ter-me-á pedido a minha intervenção, mas não consigo enquadrar isso. Não quer dizer que em várias matérias não tivesse conhecimento ou não tivesse intervindo; mas, do ponto de vista de acompanhamento operacional sistemático, esse acompanhamento não era feito por mim”, vincou, apontando na direção de António Soares, sob “instruções diretas de Morais Pires”, ex-braço direito de Ricardo Salgado que era administrador do BES.
Mais tarde, Isabel Almeida foi confrontada com outro email, no qual a própria ex-diretora financeira do BES é que surge a fazer questões sobre uma série de operações financeiras sob a égide do DFME. “Não sei qual é o enquadramento, não consigo recordar-me, não consigo entender porque é que faço a pergunta”, referiu, aludindo ao tempo decorrido desde aquela comunicação: “É especulação o que quer que eu possa dizer sobre uma coisa de 24 de junho de 2005, há mais de 20 anos”.
Enfatizando que “não acrescentava” a muitas das operações que também lhe eram transmitidas por outros elementos do DFME e que foram observadas nesta sessão, Isabel Almeida salientou também que a Eurofin não estava entre os temas principais da atividade do DFME, embora muitas das operações que envolvem esta sociedade passassem por aquela estrutura do banco. “Os temas relacionados com a Eurofin eram temas tratados diretamente pelo Dr. Morais Pires com os responsáveis das áreas. No meu tempo, foram o Dr. Pedro Costa e o Dr. António Soares”, notou.
Essa dissociação do que se passava no DFME e a sua intervenção deixou a juíza presidente Helena Susano surpreendida com as declarações da arguida. “Deixa-me perplexa que no seu Departamento não saiba do que é que cada um tratava… Tem uma personalidade vincada. Isto não lhe passava ao lado. Não lhe prestavam contas?”, questionou.
A ex-diretora financeira do BES viria a sublinhar depois que o DFME geria “mais de vinte mil milhões de ativos” e assumiu não reconhecer a maior parte dos nomes de sociedades indicadas num email de dezembro de 2004 de Pedro Pinto, igualmente arguido e funcionário do DFME do BES. “Na maior parte das coisas eu não faço a mais pálida ideia“, admitiu.
Confrontada também sobre um plano de financiamento da desintermediação, Isabel Almeida assegurou que o mesmo seria “certamente” alvo de discussão entre Pedro Costa (gestor de investimentos que dirigiu a área de desintermediação e do crédito da BES Vida) e Amílcar Morais Pires, voltando a distanciar-se de qualquer intervenção. “Estes ativos não são ativos sob gestão do Departamento Financeiro. Não digo que não tivesse de acompanhar. Não estou a dizer que não tivesse intervenção do DFME… algumas instruções foram executadas pelo DFME, mas não faziam parte dos ativos geridos pelo departamento. Eram coisas externas para as quais o DFME era chamado a intervir”, reiterou.
Ato contínuo, o tribunal inquiriu então de quem vinham as instruções e a arguida não hesitou na resposta. “Morais Pires. Acima de Morais Pires não tenho visibilidade”, disse, continuando: “Só recebi ordens do Dr. Morais Pires. Nunca recebi ordens do Dr. Ricardo Salgado sobre estas matérias“.
Isabel Almeida responde no julgamento do processo Universo Espírito Santo por 19 crimes — um de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, um de manipulação de mercado, cinco de branqueamento e 11 de burla qualificada.