Na sessão desta terça-feira do julgamento da Operação Marquês, a gestora de conta do antigo primeiro-ministro contou ao tribunal como tinha de explicar a Sócrates quanto dinheiro tinha disponível para fazer face às suas despesas
O julgamento do processo Marquês continuou esta terça-feira com a audição da antiga gestora de conta de José Sócrates na Caixa-Geral de Depósitos. Dina Alexandre, que foi quem supervisionou os movimentos bancários do antigo primeiro-ministro até à sua detenção em 2014, tinha um contacto frequente com José Sócrates que, recorrentemente, pedia à testemunha que lhe dissesse quanto dinheiro tinha na sua conta, já que o ex-governante se recusava a usar as diversas plataformas de homebanking.
“Continuo a achar mais humano telefonar-lhe a si”, sublinhava Sócrates numa das várias escutas ouvidas na sessão e nas quais é ouvido a antecipar “prémios” e a protestar contra despesas das quais não esperava. É o caso de uma conversa intercetada em setembro de 2014 em que é possível ouvir José Sócrates a pedir a Dina Alexandre concelhos para resolver a dívida inesperada de cerca de 40 mil euros de IRS. “Fiquei um bocado boquiaberto”. “realmente, agora já começo a passar-me para o outro lado, acho que realmente o Estado nos rouba de uma forma absolutamente impressionante”, diz-lhe.
Em resposta, Dina Alexandre revelou ao antigo primeiro-ministro que, na sua conta, apenas tinha disponível para movimentação 31 mil euros, oriundos de duas empresas que o ex-primeiro-ministro prestava serviços: a Dynamic Pharma e a Octopharma. Ouve-se Sócrates novamente: “Eu vou precisar… queria saber, falei com a minha mãe, quanto é que a minha mãe tem aí a prazo? “Quatro mil euros”, responde a gestora de conta. “A minha mãe já não tem dinheiro suficiente, então vou precisar de um novo empréstimo”.
Durante o inquérito da testemunha, uma questão que o procurador Rómulo Mateus mais vincou esteve relacionada com o nível de acesso do ex-primeiro-ministro às contas bancárias da mãe. “Muitas vezes perguntava e fazia referência” às contas da mãe, chega a comentar a gestora de conta, salientando que o principal arguido da Operação Marquês “não dava instruções diretas”.
Nessa altura, em 2014, Sócrates recebia cerca de 25 mil euros em avenças mensais pagas pelo grupo da farmacêutica Octopharma, detida na altura por Paulo Lalanda e Castro. No entanto, esse valor não era suficiente para fazer face às despesas de Sócrates, nomeadamente as relacionadas com a sua instalação em Paris. No interrogatório, Dina Alexandre explicou que, por vezes, os valores na conta do antigo primeiro-ministro não chegavam para fazer face às despesas “fixas” que ascendiam, na época, a cerca de 15 mil euros.
“Estamos a falar sempre à volta de 15 mil euros”, era escutada a funcionária do banco a explicar a José Sócrates que se mostrou espantado com as despesas que tinha, referindo-se ao valor das prestações, ao leasing do Mercedes, à renda e à sua transferência para Paris. “A ganhar tanto dinheiro estou com umas despesas absolutamente exageradas”, confessava o arguido. “Por vezes, fazia uma sistematização das despesas, para ele perceber que dali não passava”, contou a gerente de conta em tribunal.
A solução encontrada na maior parte das vezes por Sócrates foi a de pedir três empréstimos sucessivos, que ascenderam a um total de mais de 140 mil euros e que tinham um prazo entre um ano e dois anos. Sócrates, contou Dina Alexandre, não tinha dificuldade em abater as prestações e os empréstimos foram “liquidados a alta velocidade com aquilo que caía na conta”. A última prestação terá acontecido já depois de Sócrates ter sido detido no aeroporto à chegada de Paris e teve origem em fundos obtidos “com a venda da própria casa”, contou a gestora.
Já o procurador insistiu com a testemunha para tentar corroborar a tese de que Sócrates tinha “uma perceção pouco clara” daquilo que tinha e de quanto gastava por ter, segundo a acusação, acesso a vários milhões de euros pagos em luvas por alegadamente favorecer Ricardo Salgado e o Grupo Lena, entre outras empresas. Mas Dina Alexandre respondeu apenas que ele a questionava quanto era o saldo, e de vez em quando perguntava-me: ‘só tenho isto? E eu tinha de lhe explicar”. Acrescentou também que Sócrates não tinha um “padrão fixo” e que agia “em função do que gastava”.
Para a sessão da tarde estava prevista a audição da testemunha, Célia Tavares, uma das mulheres que terá entregado envelopes com dinheiro a Sócrates em Paris, mas a mesma não compareceu, sendo que o tribunal não recebeu o aviso de receção da sua notificação.
Sócrates, também ele, continua ausente das sessões depois de ter pedido um tempo para descansar e autorização para se deslocar ao Brasil, onde está a tirar um doutoramento.