A renúncia do advogado Pedro Delille à defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates na manhã desta terça-feira caiu que nem uma bomba no julgamento do processo Operação Marquês.
Ao fim de 11 anos ao lado do antigo governante acusado de 22 crimes (três crimes de corrupção, seis de fraude fiscal e 13 de branqueamento), o mandatário justificou a saída com o choque com o tribunal na semana passada, argumentando que era uma agressão à sua consciência e à sua ética e que não queria participar num “simulacro de julgamento”.
A decisão obrigou a juíza Susana Seca a determinar a chamada de um defensor oficioso para representar José Sócrates na audiência, mas logo depois recusou que julgamento parasse para que este pudesse estudar o processo. A situação agitou o julgamento e deixou uma série de dúvidas no ar.
Pedro Delille corre o risco de ser punido pela Ordem dos Advogados? A juíza pode ver a sua decisão de continuar ser novamente apontada como nula? Que consequências pode ter o reconhecimento de uma nulidade para o julgamento? E o que irá José Sócrates fazer? O Observador procura explicar o caso e responder a estas e outras questões neste Explicador.
O advogado Pedro Delille, que defende o ex-primeiro-ministro José Sócrates há já mais de uma década no processo Operação Marquês (inicialmente ao lado do advogado João Araújo, falecido em 2020), apresentou na manhã desta terça-feira a sua renúncia à defesa do antigo governante.
O requerimento foi enviado a poucos minutos do arranque da 33.ª sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa e levou o tribunal a mandar chamar um advogado oficioso que se encontrava de escala nas instalações.
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A renúncia do até agora mandatário do principal arguido do processo foi submetida com “efeitos imediatos”, tendo Pedro Delille invocado o artigo 67.º do Código do Processo Penal para fundamentar essa decisão. E o que diz o referido artigo? “Se o defensor, relativamente a um ato em que a assistência for necessária, não comparecer, se ausentar antes de terminado ou recusar ou abandonar a defesa, é imediatamente nomeado outro defensor”, lê-se.
O advogado justificou a renúncia com o desentendimento registado na passada quinta-feira com a juíza presidente Susana Seca. Então, Pedro Delille fez chegar já depois da sessão anterior um atestado médico em representação de Maria Adelaide Monteiro, mãe do ex-primeiro-ministro, a atestar que a testemunha não poderia ser inquirida nessa quinta-feira por razões de saúde.
Pedro Delille partiu do pressuposto que a sessão iria simplesmente começar mais tarde, e não às 9h30, como estava definido, e acabou por não comparecer à hora marcada nem informando o tribunal sobre a delegação da representação do seu cliente noutro advogado do julgamento (que seria o seu colega Filipe Batista, mas que também chegou atrasado devido a um imprevisto pessoal). A situação deixou a magistrada muito descontente e determinou o envio de uma queixa à Ordem dos Advogados. Quando Pedro Delille surgiu em tribunal mais de uma hora após o início agendado para a sessão e tentou justificar o atraso, a tensão disparou: Pedro Delille disse que não lhe iriam “ralhar” e Susana Seca avisou que “acabou a brincadeira”.
E foi esta situação que veio refletida no requerimento apresentado esta terça-feira. “Renuncio ao mandato que me foi conferido pelo senhor eng. José Sócrates para o representar no processo (…), o que faço por razões deontológicas: fiquei definitiva e absolutamente convencido, após o episódio da passada quinta-feira, que soma a tudo o resto oportunamente denunciado, de que continuar neste julgamento violenta em termos insuportáveis a minha consciência como advogado e a ética que me imponho, a minha independência, integridade e dignidade profissional e pessoal”, escreveu.
“Repudio e recuso participar e validar, um minuto mais que seja, neste simulacro de julgamento, neste ‘julgamento a brincar’”, frisou ainda o ex-mandatário de José Sócrates, que já nem marcou presença no tribunal.
Sim, Pedro Delille incorre no risco de vir a ser sancionado disciplinarmente pela Ordem dos Advogados, em virtude das duas comunicações que a juíza presidente Susana Seca remeteu: uma na passada quinta-feira e outra já nesta terça-feira, desta feita, por não comparecer na sessão e declarar que a renúncia tinha efeitos imediatos, sem garantir formalmente a representação.
Com efeito, o Estatuto da Ordem dos Advogados prevê que, “ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado”.