O antigo primeiro-ministro e principal arguido no processo Operação Marquês, José Sócrates, esclareceu esta quarta-feira que, após a renúncia do seu defensor, Pedro Delille, não foi notificado para escolher outro advogado, nem contactado por ninguém sobre esse assunto.
“Depois da renúncia, não escolhi outro advogado. Não fui notificado para escolher advogado. Não fui, aliás, contactado por ninguém sobre esse assunto nem mandatei nenhum outro advogado. Com toda a firmeza: não é a senhora juíza que escolhe o meu futuro advogado nem o Estado judiciário me impõe um defensor”, afirma José Sócrates num “pequeno esclarecimento de circunstância” divulgado esta quarta-feira.
Contudo, o Observador sabe que o tribunal já remeteu a notificação para José Sócrates. “Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: da renúncia ao mandato apresentada pelo seu ilustre mandatário, de que se envia duplicado (…), e que produz efeitos a contar da presente notificação”, pode ler-se no documento judicial .
A notificação — com data de terça-feira, mas que terá seguido somente esta quarta-feira — sustenta ainda que o ex-primeiro-ministro “deverá assim, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário (…), sob pena de (…) o Tribunal lhe nomear oficiosamente um defensor”, algo que já ocorreu entretanto para assegurar a representação nas sessões de terça e quarta-feira, ficando a cargo de José Manuel Ramos.
Na terça-feira, o advogado de José Sócrates, Pedro Delille, renunciou ao mandato de defensor do antigo primeiro-ministro no julgamento da Operação Marquês, tendo o tribunal ordenado a nomeação de um advogado oficioso para assegurar a defesa do ex-governante.
“O mais básico direito da defesa é escolher livremente o seu advogado. A nomeação de um advogado oficioso, sem que me fosse dado prazo para escolher um outro advogado, é, simplesmente, um abuso judicial. Em consequência, o julgamento está a decorrer sem a presença do meu advogado”, afirma o ex-primeiro ministro no esclarecimento.
Advogado oficioso tentou contactar José Sócrates e Pedro Delille, mas não obteve resposta
José Sócrates sublinha, “para a antologia do processo”, que o advogado oficioso nomeado pelo coletivo de juízes pediu 48 horas para consultar o processo, o que a juíza presidente, Susana Seca, negou, argumentando que “o prazo requerido para exame do processo, tendo em conta a sua dimensão, é manifestamente insuficiente para os fins que o mesmo invocou”.
“Portanto, sendo insuficiente, é melhor que não haja prazo nenhum — se quarenta e oito horas não é nada, é melhor ser nada. E foi nada”, vinca o antigo primeiro-ministro.
No esclarecimento, José Sócrates afirma que a renúncia de Delille “foi estritamente pessoal”, sublinhando que a escolha das palavras que usou para explicar a sua decisão “não deixa dúvidas sobre a sua motivação”.
“(…) continuar neste julgamento violenta em termos insuportáveis a minha consciência como advogado e a ética que me imponho, a minha independência integridade e dignidade profissional e pessoal”, disse Pedro Delille aos jornalistas após ter renunciado à defesa de José Sócrates.
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Pedro Delille representava José Sócrates sensivelmente desde que o antigo primeiro-ministro (2005-2011) foi detido no aeroporto de Lisboa, em novembro de 2014, tendo em sua substituição sido nomeado o advogado oficioso José Ramos.
A magistrada determinou também que José Sócrates fosse informado da renúncia do seu mandatário.
Nem Pedro Delille nem José Sócrates compareceram na terça-feira no Campus de Justiça de Lisboa, onde está instalado o Tribunal Central Criminal de Lisboa, tendo a sessão decorrido com a audição de testemunhas.
José Sócrates, de 68 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) e o resort algarvio de Vale do Lobo.
No total, o processo conta com 21 arguidos, que têm, em geral, negado a prática dos 117 crimes económico-financeiros que lhe são imputados.
O julgamento decorre desde 3 de julho e tem sessões agendadas pelo menos até 18 de dezembro de 2025.