O julgamento da Operação Marquês foi esta terça-feira suspenso até 4 de dezembro, anunciou a juíza presidente Susana Seca, que também acusou o ex-primeiro-ministro e o seu anterior advogado Pedro Delille de manobras dilatórias, com base na renúncia. A suspensão do julgamento tem origem num requerimento que o próprio José Sócrates juntou ao processo a solicitar a cessação de funções do advogado oficioso e a alegar que estavam ser postos “em causa” os seus direitos de defesa.
Num longo despacho que abriu a 35.ª sessão de julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, a presidente do coletivo deu sem efeito a audição das testemunhas já agendadas. Estão em causa 39 testemunhas que já estavam devidamente notificadas. Na sessão desta quarta-feira, por exemplo, estava prevista a audição de Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de António Costa e também ex-assessor de José Sócrates quando este foi primeiro-ministro.
“Determina-se a interrupção da audiência. Cessa neste momento as funções o advogado oficioso nomeado. Tendo em conta o fim do prazo em curso [de 20 dias], deverá ser requerido prazo para a consulta do processo ao mandatário que vier a ser constituído”, afirmou.
A decisão surgiu, segundo o historial traçado por Susana Seca sobre esta matéria, na sequência de uma comunicação de José Sócrates ao tribunal a declarar que tinha sido notificado da renúncia de Pedro Delille e que pretendia nomear um novo advogado durante o prazo de 20 dias, que começou a ser contabilizado desde o dia 6 de novembro, quando foi formalmente notificado. A carta foi adiantada no domingo pela CNN Portugal e José Sócrates descreveu a renúncia e a nomeação de um advogado oficioso para a sua defesa como um “lamentável e degradante espetáculo” e defendeu que a mesma devia terminar imediatamente.
“Solicita a cessação das funções do advogado oficioso, por considerar que estão em causa os direitos de defesa, por não ter tido tempo para consultar o processo e por não ter condições de acompanhar em audiência a exibição de documentos”, leu a juíza.
No mesmo requerimento, segundo a Susana Seca, Sócrates considera que o “tribunal não podia nomear um advogado oficioso” para a sua defesa.
No despacho lido em audiência, a juíza presidente do coletivo que está a julgar a Operação Marquês recordou também os atrasos em sessões anteriores de Pedro Delille que geraram duas participações à Ordem dos Advogados e a chamada de defensores oficiosos, tendo a segunda prosseguido além de mais do que uma sessão, com a presença de José Manuel Ramos na semana passada em audiência. No entanto, não deixou de frisar que Pedro Delille devia ter continuado a comparecer durante o prazo após a renúncia e que “abandonou a defesa” de José Sócrates.
“O mandatário renunciante devia ter continuado a representar. Abandonou a defesa. E não compareceu em julgamento, pelo que foi nomeado advogado oficioso. Na sequência do abandono da defesa e da nomeação de defensor oficioso, diz o Código de Processo Penal que a audiência é contínua”, continuou a magistrada, aludindo aos princípios judiciais de equidade e celeridade.
Sublinhando que a direção dos trabalhos e o exercício dos “poderes de disciplina” cabem ao presidente do coletivo, Susana Seca vincou que é sua responsabilidade proibir “os expedientes impertinentes ou meramente dilatórios”.
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“Os atos manifestamente dilatórios são praticados com o uso abusivo de mecanismos processuais. A intenção dilatória remete para a renúncia do mandatário. Além do comportamento global em audiência, com constantes invectivas, permite equacionar à luz de um observador médio que se permite dilatar no tempo o fim do processo”, explicou.
Susana Seca reiterou que a decisão de não interromper na semana passada o julgamento e de não ter concedido prazo ao defensor oficioso para a consulta dos autos estava legalmente blindada, ao notar que “desde a data de renúncia, o arguido tem uma defesa” e que não houve argumentos que pusessem essa situação em causa.
Porém, e mesmo defendendo que a “interrupção do julgamento prejudica a defesa dos outros arguidos”, acabou por avançar mesmo com a suspensão do julgamento enquanto decorre o prazo, porventura para acautelar quaisquer nulidades ou irregularidades que pudessem ser invocadas mais tarde.
Em paralelo à carta de José Sócrates, também a defesa de João Perna, antigo motorista do ex-primeiro-ministro, pediu na segunda-feira ao tribunal para esclarecer se o julgamento da Operação Marquês não deveria ser adiado, devido à questão em torno da nomeação do advogado oficioso José Manuel Ramos para representar o ex-primeiro-ministro.
Num requerimento do advogado Nuno Arede Carvalho, ao qual o Observador teve acesso, o mandatário do antigo motorista pronunciou-se sobre a notificação de José Sócrates relativamente à renúncia de Pedro Delille e considerava haver dúvidas sobre o despacho da juíza Susana Seca acerca do prazo de 20 dias para a comunicação ao processo de um novo defensor para o antigo governante.
“A interpretação que resulta mais literal do teor do dito ofício é a de que a renúncia apresentada e notificada se torna operante na data em que a notificação se mostrar realizada e que, consequentemente, ao referido arguido se encontra concedido o prazo de 20 dias para a nomeação de novo defensor, apenas podendo ser nomeado defensor pelo Tribunal após esse prazo“, lê-se.
Para a defesa de João Perna, o entendimento é de que o julgamento deveria ser suspenso enquanto decorre o prazo de 20 dias: “Conhecendo-se que foi nomeado um defensor para suprir a ausência do mandatário que apresentou a renúncia (eventualmente porque a mesma ainda não era eficaz e até os efeitos desta se produzirem), afigura-se ao signatário que, reconhecendo-se a inexistência de defensor do arguido José Sócrates, enquanto decorrer o prazo para que este comunique qual o seu novo defensor, não serão realizadas diligências, encontrando-se suspensa a fase de julgamento”.
Por isso, perante a “razoável dúvida de que seja esse o entendimento” da juíza, o advogado Nuno Arede Carvalho apelou a que fosse feito o esclarecimento pelo tribunal. Ato contínuo, Susana Seca desfez as dúvidas em poucos minutos e suspendeu mesmo o julgamento.
(Artigo atualizado às 13h05)