“A reforma deficiente do Governo de António Costa permitiu um afluxo de irregulares e não conteve o acesso de organizações criminosas de exploração da imigração ilegal”, referiu o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em resposta à Lusa, defendendo que o executivo deve aproveitar a margem concedida pela diretiva europeia de retorno para introduzir alterações de fundo ao sistema português.

O professor de direito Carlos Blanco de Morais considera que a legislação para o retorno de estrangeiros constitui o “calcanhar de Aquiles” do sistema português de controlo de fronteiras.

“A reforma deficiente do Governo de António Costa permitiu um afluxo de irregulares e não conteve o acesso de organizações criminosas de exploração da imigração ilegal”, referiu o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em resposta à Lusa, defendendo que o executivo deve aproveitar a margem concedida pela diretiva europeia de retorno para introduzir alterações de fundo ao sistema português.

O Governo já anunciou que pretende rever a legislação, até final do ano, para facilitar a expulsão de estrangeiros irregulares, tudo indicando que os prazos de detenção serão aumentados e reduzidas as salvaguardas administrativas, no quadro da própria revisão anunciada da diretiva europeia de retorno, associada ao Pacto para as Migrações e Asilo.

Criticando a “herança caótica” herdada do Governo PS, Blanco de Morais apontou os problemas da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) na gestão destes processos, tendo aberto apenas 194 processos para o afastamento forçado de ilegais, mas “apenas uma pequena parte destes processos redundou em saídas efetivas”.

“Apesar de a AIMA ter aberto este ano mais de 9.000 processos, o caminho até à expulsão é morosa e até kafkiana” porque a legislação é “deficitária e complexa”, é “desnecessariamente garantista ao prever um excesso de judicialização na expulsão de ilegais, com segundas instâncias de recurso de decisões judiciais expulsórias, prazos de detenção temporária excessivamente curtos e ausência de meios adequados de localização, identificação, retenção e expulsão de ilegais”.

Por isso, o catedrático propõe “encurtar os atuais prazos legais para aceitação do acordo voluntário de saída”, para um máximo de sete dias e, “em caso de recusa ou ausência de resposta”, a sua colocação num “centro de detenção temporária para processo de retorno coercitivo”, assegurando a sua “expulsão expedita”, caso “exista perigo de fuga ou entrave ao regresso”.

Nos casos de “incumprimento dos prazos de saída voluntária ou saída coerciva”, o jurista defende a “expulsão expedita”, e, para evitar casos como o que sucedeu com o grupo de marroquinos, no verão, propõe o “alargamento do prazo de detenção de irregulares em centro de instalação de dois para 18 meses, de acordo com o limite máximo da diretiva”, com avaliação por um juiz de pequena instância de modo regular.

Entre outras propostas detalhadas, Blanco de Morais defende “operações de triagem” nas zonas de fronteira, “maior flexibilidade de recusa de entrada de acordo com as disposições do Pacto Europeu” e nos casos em que os Estados de origem recusem receber os irregulares expulsos, propõe “acordos de cooperação”com países terceiros, “com os quais se celebre um acordo para que possam garantir o trânsito”.

Nalguns desses estados terceiros, deverão ser criados “centros de retorno para irregulares e para requerentes de asilo que não comprovem de imediato perseguição ou ameaça de perseguição”, defendeu.

Para ultrapassar questões do sistema jurídico português, Blanco de Morais defende a “criação de novos juízos em tribunais de pequena instância” para tratar do tema, o “encurtamento dos prazos relativos a procedimentos administrativos e processos judiciais correspondentes ao retorno forçado” e um “aumento muito expressivo, para níveis dissuasivos das coimas a companhias aéreas que facilitem o ingresso, em aeronaves, de menores desacompanhados e indocumentados, usualmente utilizados pelas redes de imigração ilegal”.

O catedrático defende a construção urgente de “centros de detenção provisória” junto das fronteiras aéreas e portuárias, o reforço de efetivos da unidade policial de fronteiras, o aumento da investigação para “aferir o financiamento de estabelecimentos comerciais sem atividade justificativa do pagamento de rendas comerciais elevadas”, procurando “identificar as suas fontes de financiamento”, entre outras matérias.

Em Portugal, como no resto da Europa, a imigração é hoje “uma situação problemática”, a que se deve, segundo Blanco de Morais ao “descontrolo evidente do afluxo migratório”, a que se soma uma “indústria da imigração ilegal”, com o “apoio financeiro de associações ditas filantrópicas ligadas a centros de poder económico transnacional” e “ONG envolvidas em obscuros desembarques massivos na costa mediterrânea”.

O jurista fala ainda do “abuso dos pedidos de asilo por imigrantes não perseguidos”, as “crises no Médio Oriente em parte geradas pelo intervencionismo anglo-americano e a pressão russa destinada agravar a pressão migratória” ou as “redes de imigração ilegal patrocinadas por muitas empresas sequiosas de mão de obra barata, suportadas por mandatários jurisdicionais obscuros”, entre outras preocupações.

Mostra-se também preocupado com “quebras verificadas quer no plano da segurança pública quer no funcionamento do Estado social”, não confiando nas “estatísticas nem sempre fidedignas” em Portugal.

Por outro lado, Blanco de Morais salientou que “há uma questão identitária natural ligada à reação do povo autóctone em relação a uma desproporção do afluxo de estrangeiros com culturas e modos de vida claramente diferentes”.

O jurista referiu que “certas comunidades de Estados terceiros rejeitam a integração”, criando-se um contexto de “multiculturalidade”, com “a coexistência autónoma de várias etnias, culturas ou modos de vida claramente diferenciados, num mesmo Estado ou região, com derrogação de leis e símbolos do Estado”.

Desse modo, sustentou, “criam-se redutos urbanos ou ‘micro sultanatos’ com leis materiais próprias que ignoram o Direito e a ordem do Estado de acolhimento”.

No caso português, a “fácil obtenção da nacionalidade por meras razões de conveniência, como sucede com a legislação irresponsável que vigorou até 2025” também não ajudou à integração, salientou o catedrático.

Nos países europeus, “um largo setor da população originária e identitária reage eleitoralmente a essa desordem migratória, votando em partidos da direita populista que defendem restrições drásticas ao fenómeno” e essa ascensão acaba por desestruturar o sistema partidário e gerar instabilidade, sublinhou ainda.