Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) identificaram, por meio de experimentos em ratos, que uma dieta pobre em proteína durante a gestação e o período de amamentação pode comprometer a saúde reprodutiva na prole masculina. De acordo com estudo publicado na revista Biology Open, a restrição proteica materna ocasiona alterações na estrutura e função de um órgão do sistema reprodutor, o epidídimo, responsável pela maturação e armazenamento dos espermatozoides.
Acompanhando os filhotes até a fase adulta, os pesquisadores observaram que alterações no epidídimo estavam associadas a prejuízos na qualidade dos espermatozoides, o que pode comprometer a fertilidade dos descendentes. Os estudos, apoiados pela Fapesp, foram os primeiros a relacionar a restrição proteica materna —durante a gestação e lactação— a mudanças na estrutura e função do órgão, ajudando a identificar uma possível causa para a queda na qualidade espermática observada nos filhos de mães submetidas a essa dieta.
“Cada vez mais estudos têm demonstrado que combater a fome e a insegurança alimentar hoje é também uma forma de prevenir doenças e promover o bem-estar das próximas gerações. Nosso trabalho é um exemplo disso. Além das doenças associadas aos impactos da restrição proteica materna durante a gestação e lactação de ratos, conseguimos demonstrar que há também impacto na saúde reprodutiva da prole”, afirma Raquel Fantin Domeniconi, professora do Instituto de Biociências (IB-Unesp) em Botucatu.
Estudos que relacionam a saúde da gestante com o desenvolvimento de seus filhos têm sido conduzidos nas últimas décadas, sobretudo em uma área de pesquisa denominada “origens desenvolvimentistas da saúde e doença” (DOHaD, na sigla em inglês). Há fortes evidências de que a interação gene-ambiente inadequada durante a fase embrionária e os dois primeiros anos de vida pode ser um fator importante para o aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis ao longo da vida, como câncer, diabetes, doenças respiratórias crônicas e cardiovasculares.
Esses fenômenos epigenéticos têm sido estudados de modo mais aprofundado por meio de modelos de experimentação animal. “Uma analogia que eu gosto de fazer para explicar esse problema é que quando há desnutrição materna durante a fase embrionária é como se faltassem ‘tijolos’ na construção desses órgãos. Isso pode reduzir, por exemplo, o número de néfrons nos rins, células no coração e também afetar o epidídimo, como vimos em nosso estudo”, explica Domeniconi à Agência Fapesp.
No trabalho, ratas prenhes foram divididas aleatoriamente em grupos que receberam dietas normais, com 17% de proteína ou com baixa proteína (6%) durante a gestação e a lactação. Nesse estudo, os pesquisadores encontraram diversas alterações no epidídimo de roedores cujas mães passaram por restrição proteica.
O epidídimo é um ducto único, localizado na parte posterior de cada testículo, responsável por armazenar e transportar os espermatozoides, além de ser o local onde as células espermáticas amadurecem. Esse ducto é um órgão dependente de hormônios e exerce funções específicas que contribuem para a criação de um ambiente intraluminal adequado à concentração e à maturação dos espermatozoides produzidos pelos testículos.
“Verificamos que a restrição proteica materna promove alterações importantes no epidídimo. Além de reduzir o comprimento do ducto, a carência de proteína alterou sua estrutura e funcionamento, afetando a dinâmica dos fluidos luminais, a formação de novos vasos sanguíneos e a expressão de diversas proteínas”, relata a pesquisadora.
Foram observadas ainda alterações no epitélio, tecido que reveste internamente o epidídimo, afetando o processo de diferenciação celular e, por consequência, seu funcionamento.
O efeito das alterações ocorridas na fase embrionária se prolongou ao longo da vida dos animais. Entre 7 e 14 dias de vida, ainda no período da lactação, foi observado atraso na diferenciação celular do revestimento do epidídimo dos filhotes de mães submetidas à dieta hipoproteica. A análise do epidídimo desses animais mostrou que havia mais células mesenquimais (que possuem potencial de diferenciação) do que epiteliais.
Todas essas alterações comprometem a maturação e a qualidade dos espermatozoides, com impactos observados aos 44 dias de vida dos ratos —quando se espera que o epitélio do epidídimo esteja totalmente diferenciado e o roedor entre na puberdade.
Para Domeniconi, o achado destaca como a fome e a insegurança alimentar podem afetar gerações futuras. A pesquisa mostrou que a dieta da mãe durante a gravidez e a amamentação pode ter impactos duradouros no desenvolvimento do sistema genital dos filhos, o que abre espaço para novas investigações sobre como a nutrição nesse período influencia a saúde reprodutiva.
Ela explica que, embora seja um problema estrutural —faltam nutrientes essenciais para formar o epidídimo—, a maior parte das alterações observadas é resultado de adaptações do epidídimo para garantir que os espermatozoides amadureçam mesmo em um contexto disfuncional.
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