Há uma família de elefantes sentada no Largo do Rato. Ninguém os vê, ou talvez se finja que não estão lá. Estão ali há anos, pesados e imóveis, em cima de um problema urbanístico que atravessa governos e mandatos autárquicos. O primeiro elefante? O planeamento. Ou, mais precisamente, a ausência dele.

Conheço o Rato como quem conhece o caminho para casa. Cresci a usá-lo todos os dias — fosse para a escola, para o trabalho, para sair à noite ou voltar. Apanho o metro ali. E depois os autocarros: o 709, o 720, o 738, o 758, o 774. Já o usei para ir a entrevistas, para ir à terapia, para tudo. Para muitos lisboetas, o Rato é uma porta de entrada e de passagem, mas continua a ser uma armadilha de trânsito, um cruzamento disfuncional, um vazio urbano entre colinas.

De um lado sobe-se para as Amoreiras e Campolide. Do outro, para a Estrela. Ao fundo, a Rua de São Bento desce até à Assembleia da República. Mais acima, vindo do Príncipe Real pela Rua da Escola Politécnica, passamos junto ao Tribunal Constitucional. E no topo do largo, com vista privilegiada sobre todo este caos, está a sede nacional do Partido Socialista. É lá que se reúne a Comissão Política, o Secretariado e outras estruturas importantes. A poucos metros, já perto do Marquês, está ainda a sede nacional da Juventude Socialista. É impossível ignorar o peso político que rodeia este espaço.

Durante 14 anos, o PS esteve à frente da Câmara de Lisboa. Tiveram reuniões regulares mesmo por cima do problema, e nada foi feito. O PSD, por sua vez, foi rápido a apelidar o espaço de “mono do Rato”. Mas desde que Carlos Moedas chegou à presidência da Câmara, em 2021, não houve qualquer proposta concreta, nenhum plano de requalificação, nenhuma obra. Nada. Estamos a meio do segundo mandato do governo nacional, também liderado pelo PSD, e o silêncio mantém-se. É verdade que o governo central não gere a cidade, mas pode — e deve — pressionar quando estão em causa questões de mobilidade, acessibilidade e justiça urbana.

O Bloco de Esquerda, cuja sede distrital fica no início da Rua de São Bento, também nunca trouxe o tema para a agenda. Talvez por não ser um assunto mediático. Mas devia ser. O Rato é atravessado diariamente por estudantes, operários, turistas, profissionais de todas as áreas, e até pelos próprios políticos que vão à Assembleia.

Às horas de ponta, o Rato colapsa e Lisboa colapsa com ele. A Rua da Escola Politécnica fica intransitável, a Rua de São Bento entope, a ligação à Avenida Álvares Cabral complica-se e a subida para as Amoreiras ou para a A5 torna-se um tormento. Não é o único problema do trânsito em Lisboa, claro, mas é um sintoma de um problema mais vasto: a falta de planeamento e de transportes públicos eficazes. Muitos dos atrasos dos autocarros que uso todos os dias não se devem apenas à falta de motoristas, mas também a esta total ausência de visão urbana.

E depois há o calor. No verão, o Rato é uma frigideira. Sem árvores, sem sombras, sem bancos, sem nada. No inverno, um corredor de vento. É um não-lugar no coração da cidade, e ninguém parece interessado em mudá-lo.

Lembram-se de quando o Terreiro do Paço era atravessado por carros e não por pessoas? O Rato é o que acontece quando se adia tudo. Quando se olha para o lado. Quando ninguém tem coragem de dizer “errámos, mas ainda vamos a tempo”.

E vamos mesmo. Mas só se, em vez de continuarmos a apontar o dedo uns aos outros, começarmos a assumir responsabilidades. E a ouvir quem passa todos os dias por ali. Como eu.