Depois de as alterações à lei de estrangeiros, propostas pelo Governo, terem levantado dúvidas ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e depois de terem sido chumbadas pelo Tribunal Constitucional, o executivo da AD volta a apresentar uma nova solução para limitar o figurino que vigora actualmente.

Em causa está uma limitação ao reagrupamento familiar, só que com flexibilização da anterior proposta: retira prazos mínimos de residência a casais que tenham filhos e introduz a possibilidade de o pedido ser feito já com esse familiar em Portugal (era limitado a quem estava fora).

Aos que não tenham filhos, a nova proposta exige um prazo de residência válida de um ano no caso do “cônjuge ou equiparado” que tenha coabitado com o residente durante, pelo menos, um ano no período imediatamente anterior à sua entrada no país.


Já para os restantes membros da família que não sejam filhos menores – relativamente a estes últimos, não há prazo mínimo –, a exigência de uma residência de pelo menos dois anos continua a vigorar, desde que com ele coabitem ou dele dependam, independentemente de os vínculos familiares serem anteriores ou posteriores à sua entrada em Portugal.

Continua a existir dispensa destes prazos, tal como na primeira versão, para portadores dos chamados “vistos gold”, profissionais altamente qualificados e os que têm o cartão azul da União Europeia (para profissionais altamente qualificados fora da UE) – mas deixa de ser obrigatório que já estejam em Portugal, como na primeira versão.

A proposta introduz, porém, exigências em relação aos casamentos ou união de facto, que têm de ser “válidos e reconhecidos nos termos da lei portuguesa”, sendo que o requerente tem de ser maior de idade.

Em Junho, o Governo quis limitar o acesso ao reagrupamento familiar aos estrangeiros com autorização de residência há pelo menos dois anos, quando na actual lei não há prazo mínimo. Em Agosto, o Tribunal Constitucional (TC), como vários peritos na matéria já tinham avisado que iria acontecer, considerou inconstitucionais as restrições ao reagrupamento familiar, bem como a restrição aos recursos na justiça. Marcelo tinha colocado dúvidas constitucionais sobre sete normas que limitavam o reagrupamento familiar de cidadãos estrangeiros.

Neste momento, o artigo 98.º da lei em vigor consagra o direito ao reagrupamento familiar aos cidadãos com autorização de residência, permitindo-lhes reunirem-se em Portugal com os membros da família que se encontrem no estrangeiro, desde que tenham vivido com ele noutro país, dele dependam ou com ele coabitem, sem restrições temporais. O mesmo direito é reconhecido relativamente aos familiares que tenham entrado legalmente em Portugal e que dependam ou coabitem com o residente.

Ora, para o Constitucional, a limitação desejada pelo Governo de deixar de fora o cônjuge ou o unido de facto e de impor àquele um limite temporal de dois anos consubstancia uma “separação da família”, na medida em que “afecta gravemente a preservação da unidade familiar”. Por isso, o executivo alterou agora a proposta.

Na nova proposta, acrescenta-se uma excepção, que não existia: o prazo de residência exigido para o reagrupamento familiar pode ser dispensado ou reduzido, em casos excepcionais devidamente fundamentados, por decisão do membro do Governo responsável pela área das migrações, atendendo à natureza e solidez dos laços familiares, ao grau de integração em Portugal “e aos princípios da dignidade humana e da proporcionalidade”.

Também discordou o TC do artigo 101.º sugerido pelo Governo, que agrava os requisitos para o reagrupamento familiar e exige que o requerente disponha de alojamento próprio ou arrendado, em condições de salubridade e segurança, e de meios de subsistência suficientes para dispensar qualquer apoio social. A definição dessas condições por portaria governamental é inconstitucional para o TC, por entender que tal matéria é da competência exclusiva da Assembleia da República.

Na nova versão, o Governo quase não alterou este ponto: exige prova expressa de um contrato de arrendamento ou de titularidade, mantém a exigência de meios de subsistência sem recurso a apoios sociais e altera ligeiramente a forma como está redigida a norma.

Mas há mudanças da primeira para a segunda versão sobre as medidas de integração obrigatórias: na primeira, obrigavam o requerente e os respectivos familiares a cumprir medidas de integração, incluindo língua, valores constitucionais e frequência do ensino obrigatório, reguladas por portaria; já na segunda versão referem que só os familiares devem cumprir as medidas, depois de concedida a autorização, e isso consiste em formação em língua e valores constitucionais e na frequência escolar, reguladas por decreto regulamentar.

Também se acrescentou uma exigência a estas autorizações de residência: a sua renovação depende da prova do cumprimento das medidas ou do conhecimento adquirido, “salvo por motivo não imputável ao familiar”. Novamente, também se admite a dispensa excepcional por razões humanitárias.

Sobre os prazos da AIMA, a proposta inicial alargava para nove meses — quando na lei em vigor é de três meses —, prorrogáveis até 18, o prazo de decisão dos pedidos de reagrupamento familiar, eliminando o deferimento tácito, e impunha ainda dois anos de residência prévia para apresentação do pedido. O TC considerou estes prazos incompatíveis com os deveres estatais de protecção da família.

No novo documento, o Governo distingue situações, proibindo prorrogação quando estão em causa familiares vulneráveis (menores e, nalguns casos, cônjuges); pressupõe o prazo de nove meses também para decisão da AIMA, mas a prorrogação é uma possibilidade para casos excepcionais e não se aplica a casos de reagrupamento com menores ou a cônjuges em certas condições.

Quanto ao recurso aos tribunais, o TC considerou que o artigo 87.º-B condicionava o uso da intimação, mecanismo legal usado pelos imigrantes para defender direitos na justiça de forma célere, e pretendia “de forma clara restringir a aplicação do regime geral da intimação” nestas situações. Agora, na nova redacção, o Governo eliminou o requisito da irreversibilidade, visto como obstáculo pelo TC, e alargou o acesso à intimação, não precisando o imigrante de demonstrar que o prejuízo pela ausência de resposta da AIMA é irreparável, apenas que é grave e imediato.