Mais de um bilhão de pessoas no mundo convivem com algum transtorno mental, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O dado impressiona pelo tamanho da população afetada, mas também evidencia a relevância crescente do tema para a saúde pública global.
Um estudo publicado na revista Nature Human Behaviour mostrou que indivíduos com transtornos mentais têm maior tendência a se relacionar com pessoas que apresentam condições semelhantes. Para a pesquisa, foram analisados dados de 15 milhões de pessoas, incluindo nove quadros clínicos: esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, ansiedade, TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), autismo, transtornos obsessivo-compulsivos, abuso de substâncias e anorexia.
Conforme o estudo, quando um parceiro é diagnosticado com um desses transtornos, a probabilidade de o outro também apresentar algum problema mental aumenta significativamente, muitas vezes do mesmo tipo.
A pesquisa, conduzida pelo geneticista populacional Chun Chieh Fan, do Laureate Institute for Brain Research, em Oklahoma, avaliou se o padrão se repetia em diferentes culturas, analisando dados de Dinamarca, Suécia e Taiwan. Fan afirma que “o surpreendente foi que o padrão de similaridade entre culturas era quase idêntico”. Diferenças foram observadas apenas em casos de transtornos obsessivos, transtorno bipolar e anorexia, sendo que, em Taiwan, casais casados apresentavam mais frequentemente transtornos obsessivos do que na Europa.
O estudo também aponta estabilidade desse padrão ao longo do tempo. Dados de Taiwan, coletados por mais de 50 anos, mostram que, para a maioria dos transtornos, a probabilidade de ambos os parceiros receberem o mesmo diagnóstico se manteve constante. No caso do consumo de substâncias, a chance aumentou; já para transtornos obsessivos, houve redução. “E isso apesar das mudanças no sistema de saúde, na política e na sociedade taiwanesa ao longo do período”, afirma Fan.
Segundo os pesquisadores, existem três explicações possíveis para que pessoas com transtornos mentais se relacionem entre si: busca por identificação com o parceiro, influência de um ambiente compartilhado ou o estigma associado à doença mental. A hipótese mais aceita é a primeira, chamada tecnicamente de “escolha associativa de parceiros”, em que indivíduos buscam alguém que compartilhe características semelhantes, seja para maior compreensão da condição, seja por afinidades positivas, como criatividade.
Ainda não se sabe, no entanto, se esses relacionamentos favorecem ou prejudicam a convivência. Faltam estudos de longo prazo para avaliar se casais com quadros semelhantes conseguem maior compreensão mútua ou se a condição se agrava com a convivência.
Além disso, filhos de pais que compartilham o mesmo transtorno têm o dobro de chance de desenvolver problemas mentais, em comparação a crianças com somente um dos pais afetado. “A transmissão de um transtorno mental se intensifica por meio da escolha do parceiro”, afirma Fan, especialmente em casos de esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e dependência.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Os resultados reforçam a importância de incluir a família no tratamento. Parceiros e filhos podem se beneficiar de acompanhamento psicológico e terapia, ampliando a rede de cuidado para além do indivíduo diagnosticado.
Jornalista pelo Centro Universitário de Brasília, apaixonada por literatura e questões sociais. Passou pela editoria de Cultura e agora escreve para o CB On-line, onde assina o Blog Daquilo.