Nesta quarta-feira foram conhecidos os resultados da terceira fase de colocações no ensino superior. Se não foste colocado ou, mesmo sendo, não tens a certeza de que esse é o próximo passo, não te preocupes. O mundo não acabou. O P3 falou com jovens que também encontraram impedimentos ou indecisões depois de um ciclo de estudos e com a psicóloga vocacional Cláudia Gandra, que garante que isso não é sinónimo de um ano perdido.

Quando chegam os resultados da última fase de colocações no ensino superior, muitos jovens confrontam-se com um vazio inesperado. Havia um plano (começar já o curso) e, de repente, vêem-se com uma folha em branco. Ou, como descreve Cláudia Gandra, psicóloga que orienta alunos na Escola Secundária João da Silva Correia, em São João da Madeira, “com uma folha onde se lê ‘não colocado'”. “É um choque e gera frustração e tristeza. Essa é a primeira reacção”, reconhece. Mas, gerido o impacto inicial, é preciso “arregaçar as mangas e fazer alguma coisa.”

Não entrar na universidade, sublinha, não define a vida nem a carreira de ninguém. “Pode ser até uma fase transformadora, no sentido de a pessoa poder explorar outras opções, investir em competências que até ali não teve hipótese de investir.” Entre as alternativas, estão cursos de curta duração com componente técnica, programas do Instituto de Emprego e Formação Profissional, anos-zero em politécnicos, ou até “experiências mais ousadas”, como um ano sabático ou projectos Erasmus+. “Cada caso é um caso, e depende da disponibilidade para experimentar situações novas ou conhecer-se melhor”, explica a psicóloga. E como cada caso é um caso, estes jovens falaram com o P3 para contar o seu.


Não entraste na opção que querias? Avalia as outras

Esperar pelo ano seguinte é uma opção. No entanto, há quem tenha sentido que aquele era o ano em que deveria entrar. Foi o caso de Eduarda Borges, 25 anos, que quando acabou o secundário, em 2018, procurou uma alternativa privada, já que entrar na instituição que preferia não era uma opção.

Eduarda terminou o ensino secundário ainda indecisa sobre o que queria seguir. “Eu estava sempre muito confusa. Passava de medicina veterinária para artes, depois voltava a mudar. Nunca tive a certeza absoluta do que queria fazer”, recorda, apesar de assumir que o mundo artístico se sobrepunha aos outros. Os pais aconselharam-na a seguir Ciências e Tecnologias, “porque assim teria mais opções no futuro”. Essa escolha acabou por adiar a entrada na faculdade que queria escolher: a de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP). Para concorrer teria de apresentar a prova de ingresso de Desenho, mas teria de fazer o exame como aluna externa e, portanto, sem ter tido aulas ao longo do ano lectivo.




Eduarda não conseguia entrar na FBAUP, mas procurou alternativas para continuar a estudar
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No Verão, já depois dos exames nacionais, decidiu submeter uma candidatura na mesma, apesar de não ter sido para a FBAUP. Acabou por se inscrever na Universidade Lusófona, em regime privado. A decisão foi influenciada pela pressão de não ficar parada. “Não queria estar à espera e também senti alguma pressão dos meus pais para não ficar um ano sem fazer nada”, explica. O factor financeiro acabou por pesar menos do que poderia: viu que existia um apoio parcial nas propinas graças à média final do secundário.

Hoje, com algum distanciamento, sabe que “não era assim tão urgente”. “Na altura parecia mais importante não perder tempo. Depois adaptei-me, fiz amigos na Lusófona, boas memórias e senti-me bem preparada. Fiquei por ali.” Foi lá que acabou a licenciatura, o que lhe permitiu, depois, entrar numa pós-graduação em Ilustração na instituição que, três anos antes, teria sido a sua primeira opção.

Para os estudantes que não entrem à primeira tentativa, Eduarda deixa uma mensagem: “Não há problema nenhum. Se não entrarem agora, podem entrar depois. Se quiserem entrar ainda assim, explorem as opções, adaptem-se à vossa realidade, mas aproveitem a situação em que acabaram por ficar.”

Cláudia Gandra, psicóloga, sublinha a importância de olhar para diferentes vias de acesso ao ensino. “Muitas vezes há outros caminhos possíveis”, começa. Numa faculdade privada, “vale a pena ver se há bolsas disponíveis, se existe algum apoio social, ou se a família tem condições para suportar essa escolha”. Não é sempre uma possibilidade, claro. Contudo, “podem procurar cursos técnicos superiores, pós-secundários ou até formações profissionais que podem responder ao mesmo interesse. Não tem de ser, obrigatoriamente, uma licenciatura.” O importante é “garantir que a decisão não é tomada apenas no calor da frustração, mas ponderada em função das possibilidades de cada um”.

Sabes mesmo o que queres mas não entraste? Investe no currículo

Gonçalo Oliveira, 24 anos, também se sentia inclinado para o mundo artístico e foi em função disso que escolheu uma licenciatura. Entrou em Artes Plásticas na FBAUP, antes de mudar para Design de Comunicação, motivado pelas saídas profissionais. Foi já no fim desse percurso que percebeu que queria ser professor. “Sempre gostei de ensinar. Começou com a música, quando dava aulas de guitarra, e percebi que havia ali algo que me entusiasmava muito”, contou.

O passo seguinte parecia óbvio: candidatar-se ao mestrado em Ensino de Artes Visuais. Foi isso que tentou no ano passado, mas não conseguiu entrar. A frustração foi grande e trouxe consequências a nível emocional. “Não foi fácil. Afectou a minha saúde mental. Não entramos e começamos a sentir que não somos suficientes, que falhámos de alguma forma”, explicou, apesar de saber que alguém com uma formação-base de ensino teria prioridade e poderá ter sido isso que o deixou fora da lista. Ainda assim, não desistiu. O foco passou a ser ganhar experiência e construir um percurso que lhe desse mais hipóteses numa nova candidatura — e, acima de tudo, que o fizesse crescer como professor.

Tirou o Certificado de Competências Pedagógicas (CCP), que lhe abre a porta a dar formação, e passou a trabalhar como explicador de Geometria e Desenho. Primeiro, num centro de estudo, depois, em dois, já que, “na medida em que o currículo vai crescendo, vai sendo mais fácil arranjar outras oportunidades”. Por isto, o ano que começou em frustração acabou por se revelar uma oportunidade prática de contacto com alunos e de aprendizagem constante. “A oportunidade de estar de facto a trabalhar e a dar explicações fez-me aprender e fez-me tornar mais confiante em relação às minhas capacidades enquanto professor”, disse.

Este ano voltou a candidatar-se ao mestrado, desta vez no Porto e em Braga. Não entrou em nenhuma das instituições, mas a forma como encarou a notícia foi diferente. Sentiu-se “mais preparado para lidar com a situação” e, em vez de parar, continuou a procurar escolas e acabou por ficar com uma posição como professor de Geometria numa escola semiprivada, onde vai dar aulas ao longo do ano lectivo. Mantém também o trabalho num dos centros de estudos e continua a dar explicações.

Sabe que o mestrado é uma etapa necessária para o futuro, até para se candidatar ao concurso nacional de professores, mas há algo que deixou de ser: um selo indispensável de validação pessoal. “O mestrado é um passo importante, tendo em conta a forma como a profissão funciona, mas já não é um carimbo para validar as minhas capacidades. Sei que consigo avançar e ganhar experiência mesmo sem estar dentro do plano inicial”, afirmou.

Ou experimenta outros trabalhos

Sofia Santos tem agora 27 anos e terminou o secundário em 2016. Tinha um objectivo claro: ser enfermeira. “Eu sempre soube que queria ir para a faculdade e o meu objectivo passou sempre um bocado pela área da saúde”, recorda. No entanto, nas duas fases dos exames de Biologia e Geologia, não obteve a nota necessária. “No final do 12.º nem fiz candidatura para a universidade. Sabia que não ia entrar, não tinha a nota mínima”, contou.

Determinada, decidiu “parar” um ano para voltar a preparar o exame. Na verdade, não parou. “Estive seis meses na área da restauração, só para ter o meu dinheiro e não depender dos meus pais”, explica. A isso, acrescentou trabalhos em feiras medievais, numa padaria e em tarefas administrativas numa empresa de família. “Ajudava na parte de recursos humanos, organização de bases de dados e contacto com clientes”, e essas experiências acabaram por lhe alargar os horizontes do que achava que sabia.




Sofia Santos não entrou em Enfermagem. Um ano depois já não era o que queria
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“Percebi que gostava de trabalhos em que conseguisse ter contacto com pessoas, mas também estar no meu canto a organizar as minhas coisas e gerir o meu tempo”, o que a fez achar que enfermagem poderia não ser, afinal, o caminho certo. No final do ano, repetiu o exame na mesma, mas continuou sem obter a nota mínima para aprovação.

Olhou para outras opções e encontrou na Comunicação Organizacional uma alternativa que juntava vários interesses. “Candidatei-me a áreas mais relacionadas com a comunicação, entrei em Comunicação Organizacional e especializei-me em comunicação empresarial.” Hoje trabalha na área dos recursos humanos.

Em retrospectiva, Sofia acredita que esse ano de pausa foi decisivo. “Muita gente olha para parar como um fracasso. Eu não senti isso, ainda bem que tirei esse ano. Fiz mil e uma coisas, cresci, percebi que afinal tinha outros gostos”, assumiu. “A vida não acaba naquele momento. O importante é usar este tempo da melhor forma, a nível profissional e pessoal. Às vezes, quando paramos, descobrimos coisas para as quais afinal temos jeito e de que até gostamos, mas nunca tivemos tempo para perceber. Para mim, foi um ano de muita descoberta e fez-me mesmo crescer”, contou a jovem.

Naquele ano, ia a um psicólogo, embora por outros motivos pessoais, mas assume que o que a ajudou a “organizar a cabeça” foram as conversas com familiares e amigos: “Eles não me deram uma resposta, mas deram-me confiança para perceber o que fazia sentido para mim.”

Ou, se puderes, conhece o mundo

Vasco Calixto terminou o secundário em 2018 e foi colocado em Medicina, na Universidade do Minho. Chegou a inscrever-se e a pagar propinas para garantir o lugar, mas desde o início sabia que não queria começar logo. “O plano era entrar e segurar a vaga, mas parar um ano. O objectivo era ter uma experiência fora do país, fazer voluntariado, viajar, sair da zona de conforto”, recorda.

O ano sabático começou com trabalho em Portugal, numa agência de viagens, para juntar dinheiro. Em Janeiro partiu para Cabo Verde, onde esteve um mês a fazer voluntariado num projecto de bem-estar animal. Seguiram-se Israel e Palestina, onde viajou em regime de backpacking e trabalhou três semanas num hostel em Ramallah. Passou ainda pela Índia, onde colaborou com uma ONG em Nova Deli, apoiando uma escola para crianças de bairros desfavorecidos. “Ali comecei a fazer fundraising [recolha de fundos] para um programa de alimentação e percebi que para ajudar pessoas não precisava necessariamente de ser médico. Podia equipar-me de outras formas para acrescentar valor à sociedade”, conta.




Vasco ia esperar um ano para começar Medicina. Foi viajar e acabou em Economia
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Depois da Índia, viajou pela Birmânia, onde colaborou com uma associação local que apoiava pessoas doentes e em situação de fragilidade social. Acabou a volta ao mundo em Nairobi, no Quénia, também em voluntariado. Foi um percurso intenso, entre projectos solidários e viagens, que lhe deu contacto com realidades muito diferentes. “Houve momentos em que foi psicologicamente desafiante. Mas também percebi que não há crescimento sem algum tipo de desconforto. Faz parte do processo: sair da zona de conforto e aprender com isso”, afirma.

No regresso a Portugal, a ideia de seguir Medicina já não fazia sentido. “Sempre gostei de muitas áreas. Medicina vinha do impulso de ajudar, mas sabia que também me interessava muito pela política e pela economia.” A noção de quanto a macroeconomia influencia a sociedade e as decisões políticas mudou-lhe os planos: foi fazer a licenciatura de Economia no Iscte, em Lisboa. Hoje, Vasco vive em Madrid e trabalha na Amazon. “Sou business development representative, faço prospecção e trabalho com gestores de contas para trazer novos negócios. É a primeira etapa de uma carreira comercial”, resume.

A experiência do gap year deixou-lhe uma certeza: não há relógio que dite o ritmo certo para todos. “Não se devem stressar. A vida é longa e não é o fim do mundo. Este ano pode ser uma oportunidade para reflectir sobre o que querem fazer, para viajar, para melhorar a média. Não temos necessariamente de seguir o caminho convencional, podemos explorar alternativas, e às vezes as surpresas acabam por ser positivas”, concluiu.

Seja o teu percurso ou vontades mais semelhantes com os da Eduarda, do Gonçalo, da Sofia ou do Vasco, o importante é não olhar para a não entrada no ensino superior como o fim do mundo, porque tudo o resto ainda é uma possibilidade.”Só há uma coisa que não pode acontecer: ficar parado. Se este ano for apenas para consumir séries e fazer scroll no telemóvel, aí, sim, é um ano perdido e com impacto na auto-estima. O resto pode ser tudo ‘ganhar um ano'”, sublinha a psicóloga Cláudia Gandra.