Quem já participou de ao menos uma corrida de rua certamente viu embalagens de géis de carboidrato jogadas pelo chão. O produto é usado para dar energia aos atletas. Algo parecido acontece em academias, onde o barulho do balançar das garrafas misturando whey protein invade espaços. A proteína auxilia no ganho de massa muscular e até dá energia extra nos treinos.

Na internet, o cenário não é diferente: é a blogueira indicando a creatina, influencer vendendo polivitamínicos, clínicas oferecendo injetáveis. Tudo isso com promessa de aumento de disposição e performance. Mas será que todo mundo pode (e deve) suplementar? Especialistas ouvidos pela reportagem alertam sobre os riscos do uso indiscriminado e sem orientação de fórmulas, produtos e até medicamentos ao organismo.

“Suplementos servem para complementar a dieta quando ela é insuficiente, já que são alimentos práticos, prontos para o consumo. Mas, na maioria dos casos, não existe nenhum suplemento indispensável. O que sustenta o desempenho e a saúde é uma alimentação equilibrada, sono adequado e treinamento orientado. Alguns suplementos podem ser úteis, mas na maioria dos casos, alimentos in natura ou minimamente processados são suficientes para repor nutrientes e energia, como frutas, cereais integrais, carnes, ovos, leguminosas e oleaginosas”, afirma o médico especialista em nutrição da Rede Mater Dei de Saúde, Juliano Antunes Machado.

Modismo.O aumento expressivo de pessoas praticando atividades físicas, como corridas de rua, por exemplo, — que só no Brasil, segundo um levantamento divulgado em janeiro deste ano pela marca esportiva Olympikus em parceria com o instituto de pesquisa de tendências de consumo Box1824, contabilizou cerca de 13 milhões de corredores — fez com que esses produtos entrassem em evidência e se tornassem uma espécie de modismo, como afirma a médica coloproctologista pós-graduada em nutrologia, Raíssa Reis de Carvalho.

“Sem dúvida nenhuma, é um modismo. Afinal, quem não quer ter mais disposição, mais libido, mais energia, melhor performance? Muitas pessoas chegam ao meu consultório pedindo suplementos que viram nas redes sociais ou que um amigo indicou, sem qualquer exame ou indicação médica. O risco é gastar dinheiro em algo que não faz sentido para o seu organismo e, pior, expor-se a efeitos colaterais e interações medicamentosas. A suplementação deve ser personalizada, nunca baseada em tendências passageiras”, orienta.

Excesso de produtos prejudica o corpo

O uso suplementação sem a orientação de um profissional da saúde pode ter efeitos adversos no corpo, ainda que os produtos sejam vendidos fora das farmácias e sem necessidade de receitas.

“A creatina, por exemplo, deve ser usada com cautela em pessoas com doença renal preexistente. A cafeína é um suplemento seguro, mas altas doses e uma certa constância no uso podem gerar insônia, taquicardia e ansiedade em indivíduos sensíveis. O ferro e a vitamina D só devem ser usados quando confirmada deficiência, pois o excesso pode ser tóxico”, alerta o nutrólogo Juliano Antunes Machado.

O fisiculturista Hugo Bony, 39, é um exemplo de quem começou a suplementar cedo, aos 16 anos, por recomendação de um amigo. Hoje, com mais experiência e conhecimento sobre o próprio corpo, reconhece a atitude imprudente.

“Comecei na loucura. Meu amigo estava tomando e eu comecei a tomar também, sem orientação. Eu era muito magro, tinha dificuldade de ganhar peso, meu sonho era engordar. Depois, entendi melhor as coisas e procurei ajuda”, relembra. 

“Se eu pudesse dar um conselho a quem está começando agora, não se torne um dependente dos suplementos e hormônios. Hoje sou dependente dessas substâncias”, lamenta.

Embora os suplementos não exijam receita médica para a venda, farmácias já oferecem informações sobre o uso dos produtos aos clientes. “Contamos com uma equipe de farmacêuticos que está disponível para oferecer orientações, mas é importante destacar que a maioria dos nossos clientes já chega à loja com recomendações de nutricionistas ou médicos especialistas para garantir um uso seguro e eficaz dos produtos”, afirma a gerente comercial de conveniência e infantil da rede de drogarias Araujo, Isabella Araujo Parreiras Gontijo.

Peso no bolso e no organismo. Em média, o fisiculturista Hugo Bony gasta R$ 500 mensalmente com todos os suplementos, mas há quem invista milhares de reais nos produtos. O mercado está tão aquecido que, na rede de drogarias Araujo, a venda de suplementos representa 5% do faturamento total em loja.

Quando há necessidade de suplementar

Desde que fez bariátrica, a gerente de Sucesso do Cliente, Clarisse Quinello, de 38 anos, mantém um estreito relacionamento com médicos e nutricionistas. “Pensando não só na reposição por conta da cirurgia, mas também para meus objetivos na academia”, conta a atleta amadora, que pratica corrida de rua e musculação. Além de ter uma dieta balanceada, ela também faz uso de suplementos e percebe os efeitos dos produtos no organismo.

“Whey eu tomo não só por causa dos treinos, mas porque eu preciso dele para conseguir consumir toda proteína que a nutricionista recomendou, já que eu não consigo comer muito depois da cirurgia. Creatina e pré-treino, por exemplo, quando eu não tomo, eu sinto que eu rendo menos nos treinos”, afirma.

Para o nutrólogo Juliano Antunes Machado, o principal é ficar atento aos sintomas que o corpo dá e confirmar a necessidade (ou não) com exames.

“Não há segredo, e temos a obrigação de repetir e enfatizar ao máximo. O ideal é combinar avaliação clínica e exame físico, prestando atenção aos sintomas e sinais como fadiga, queda de desempenho, diarreia, descamação da pele, entre outros, e exames laboratoriais, como avaliação de rotina completa, com dosagens de vitaminas D e B12, ferritina, ácido fólico e exames que avaliam funções hepática e renal eletrólitos”, completa.

E nem sempre “cansaço” significa falta de algum nutriente ou fadiga de algum órgão, “pode ser apenas treino mal periodizado ou sono insuficiente”, garante.