O Tramadol, um potente opioide sintético, tem sido amplamente utilizado para tratar dores moderadas a intensas, mas um novo estudo sugere que os riscos potenciais do medicamento superam os seus benefícios “limitados” para a dor crónica e que o seu uso deve ser minimizado.

O estudo, publicadomna revista BMJ Evidence-Based Medicine, descobriu que o Tramadol pode ter um “efeito leve” na redução da dor crónica, mas parece haver poucas evidências.

“Os resultados indicam que os benefícios do Tramadol são questionáveis ou, no mínimo, incertos. Além disso, as evidências sugerem a presença de efeitos potencialmente prejudiciais”, afirma o Janus Jakobsen, principal autor do estudo e professor clínico da Universidade do Sul da Dinamarca, em Copenhaga, num e-mail.

De acordo com o estudo, o Tramadol pode ter efeitos secundários graves, incluindo eventos cardíacos, como dor no peito, doença cardíaca ou insuficiência cardíaca congestiva.

“Portanto, opções alternativas de tratamento devem ser consideradas antes de prescrever Tramadol”, diz Jakobsen. “Os pacientes são aconselhados a consultar os seus médicos para determinar o tratamento mais adequado para a sua condição. Esses tratamentos devem ser individualizados de acordo com o tipo de dor crónica apresentada.”

Além disso, os opioides, como classe de medicamentos, podem causar dependência. Estima-se que cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo sofram os efeitos de dependência dos opioides, e o Tramadol é frequentemente considerado mais seguro do que outros opioides.

Potenciais danos vs benefícios

De acordo com os registos do fabricante, o novo estudo afirma que quase 12 milhões de doses diárias de Tramadol foram consumidas em todo o mundo entre 1990 e 2009.

O estudo, conduzido por uma equipa de investigação na Dinamarca, incluiu uma análise de 19 ensaios clínicos separados que avaliaram o Tramadol em comparação com um placebo no tratamento de vários tipos de dor crónica. Os ensaios foram publicados entre 1998 e 2024 e, coletivamente, envolveram mais de 6.500 pessoas com idades entre 47 e 69 anos. Alguns dos ensaios incluídos no estudo estavam relacionados com osteoartrite, dor nervosa diabética e dor lombar crónica.

“Que seja do nosso conhecimento, esta é a primeira revisão sistemática relacionada com o uso do Tramadol para qualquer tipo de dor crónica com uma investigação aprofundada dos eventos adversos”, escrevem os investigadores no estudo.

A análise revelou que o Tramadol aumentava o risco de efeitos adversos graves e não graves, incluindo náuseas, tonturas, obstipação, sonolência, problemas cardíacos e “neoplasias”, que são um crescimento anormal e excessivo de células e tecidos que podem formar tumores. Estas neoplasias podem ser benignas ou cancerígenas.

Os investigadores também descobriram que havia “evidências de baixa certeza” de que o Tramadol pode reduzir a intensidade da dor crónica abaixo de um determinado nível, que eles chamaram de limiar de “diferença mínima importante”.

Normalmente, a intensidade da dor é medida usando uma escala visual ou numérica, como quando os pacientes são solicitados a classificar a sua dor em uma escala de 0 a 10, sendo 10 uma dor insuportável, diz Jakobsen. Mas, como cada pessoa pode ter uma percepção diferente da dor, os investigadores usaram um limiar mínimo para avaliar a diferença clínica na capacidade do Tramadol de reduzir a dor em comparação com um placebo, com base nos ensaios clínicos que avaliaram.

“Embora as análises estatísticas possam revelar diferenças nas pontuações de dor entre os pacientes, essas diferenças podem ser tão pequenas que não são perceptíveis para os próprios pacientes”, explica Jakobsen. “Portanto, é crucial predefinir uma diferença mínima clinicamente importante ao avaliar os níveis de dor para garantir que os resultados reflitam mudanças significativas para os pacientes.”

No novo estudo, os investigadores escolheram uma “diferença mínima importante” equivalente a um ponto na escala numérica de 10 pontos. Parecia que o efeito benéfico do Tramadol na dor crónica estava abaixo dessa “diferença mínima importante” de um ponto, em média.

A Associação para Medicamentos Acessíveis, que representa os fabricantes de medicamentos genéricos, não respondeu imediatamente ao pedido da CNN para comentar o novo estudo.

“A conclusão de que o Tramadol em ensaios aleatórios controlados por placebo não atingiu o limiar designado de redução dos índices de dor em um ponto não me surpreende muito”, refere o Michael Hooten, anestesiologista e especialista em dor da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, que não participou do novo estudo.

“Os opioides para dor crónica persistente e de longo prazo não são os melhores medicamentos devido à tolerância e outros fatores que podem interferir na trajetória de longo prazo da terapia com opioides”, considera Hooten. “Como especialista em dor que trabalha clinicamente, esta revisão basicamente confirma muitos dos fatores clínicos que eu já conheço intuitivamente.”

E embora o estudo tenha concluído que o Tramadol pode ter um “efeito ligeiro” na redução dos níveis de dor crónica, isso acarreta um risco acrescido de eventos cardíacos preocupantes e outros efeitos secundários potenciais.

“Na minha perspetiva, não uso muito Tramadol, porque sei que vai haver muitos efeitos adversos. Sei que os efeitos redutores da dor serão mínimos. Portanto, esse não é necessariamente um medicamento que eu utilizo”, revela Hooten. “Isso representa a minha prática clínica pessoal e empírica – se conversar com outro especialista em dor, ele poderá ter uma opinião completamente diferente. É realmente complexo.”

“O Tramadol não é uma solução milagrosa”

O novo estudo pode estar a sobrestimar os benefícios do Tramadol, afirma Jakobsen.

“Todos os ensaios incluídos, exceto dois, foram avaliados como tendo um alto risco de viés. Isso aumenta a probabilidade de que as nossas conclusões possam sobrestimar os efeitos benéficos e subestimar os efeitos nocivos do Tramadol, apresentando potencialmente uma visão excessivamente favorável da sua eficácia”, aponta Jakobsen.

“O Tramadol continua a ser amplamente prescrito para o tratamento da dor crónica e é frequentemente considerado mais seguro do que outros opioides, mas sem evidências que sustentem isso”, explica. “O uso de Tramadol e outros opioides deve ser minimizado tanto quanto possível. O nosso estudo fornece evidências que sustentam essa recomendação.”

Uma limitação do novo estudo é que o tempo de acompanhamento dos pacientes variou entre os ensaios, o que torna incerto quais podem ser os riscos e benefícios a longo prazo do medicamento.

“A maioria dos ensaios incluídos foi de curta duração – a maioria com 12 semanas ou menos -, por isso não podemos tirar conclusões definitivas sobre a segurança a longo prazo ou os benefícios sustentados”, obejtiva Jason Chang, professor assistente e especialista em medicina intervencionista da coluna vertebral e musculoesquelética da Faculdade de Médicos e Cirurgiões Vagelos da Universidade de Columbia, num e-mail.

“A revisão também agrupou uma ampla gama de condições de dor, o que pode obscurecer as diferenças na forma como o Tramadol funciona para diagnósticos específicos”, esclarece Chang, que não esteve envolvido na nova pesquisa. “Por fim, o estudo apenas comparou o Tramadol com o placebo – não com outros tratamentos ativos -, por isso não sabemos como ele se compara a alternativas como AINEs ou medicamentos neuropáticos.”

Os AINEs são medicamentos anti-inflamatórios não esteróides, como o ibuprofeno e a aspirina. Alguns médicos podem prescrever Tramadol a pessoas que não podem tomar AINEs, por exemplo, devido a uma condição de saúde subjacente ou outros medicamentos que estão a tomar.

“O Tramadol não é uma solução milagrosa – em média, proporciona apenas um alívio modesto da dor e acarreta riscos reais, incluindo náuseas, tonturas, obstipação e, em casos raros, complicações mais graves, como eventos cardíacos ou convulsões”, destaca Chang.

“ Pode ser útil para determinados pacientes que não podem tomar AINEs ou precisam de ajuda a curto prazo para restaurar a função, mas deve ser prescrito com objetivos funcionais claros, por períodos limitados e com monitorização rigorosa dos efeitos secundários”, afirma. “A conversa não deve ser sobre a proibição do Tramadol, mas sobre o seu uso mais inteligente – tratamentos de curta duração, seleção cuidadosa dos pacientes e sempre como parte de um plano que priorize a mobilidade, a função e a qualidade de vida.”

Os novos resultados da pesquisa não foram surpresa para Erika Schwartz, médica internista sediada em Nova Iorque e autora do livro “Don’t Let Your Doctor Kill You” (Não deixe o seu médico matá-lo).

“Este estudo confirma o que tenho observado na prática clínica há anos: o Tramadol tem sido comercializado como uma alternativa ‘opioide mais segura’, mas a realidade é muito mais complicada”, explica Schwartz, que não participou da pesquisa, num e-mail.

Se alguém receber uma receita de Tramadol, alerta Schwartz, deve fazer as seguintes perguntas ao seu médico: Por que está a receber este medicamento? Que alternativas existem? Alguém realmente investigou o que está a causar a sua dor crónica?

Estima-se que um em cada cinco adultos vive com dor crónica nos Estados Unidos, diz o correspondente médico-chefe da CNN, Sanjay Gupta, autor do livro “It Doesn’t Have to Hurt: Your Smart Guide to a Pain-Free Life” (Não precisa doer: o guia inteligente para uma vida sem dor).

“Cerca de um terço deles tem restrições no que pode fazer e em como viver. Mas existem alternativas à medicação. Podemos reduzir e até mesmo eliminar a dor usando a capacidade do nosso próprio corpo e mente para controlá-la”, explica Gupta. “As opções podem incluir meditação e ioga, massagem e acupuntura. Até mesmo enfatizar a ingestão de alimentos anti-inflamatórios, como grãos integrais e verduras folhosas, pode ajudar a mitigar a reação do nosso corpo.”

As terapias não opioides para o controle da dor também podem incluir gelo ou calor, elevação, repouso e sono de qualidade, ou fisioterapia e exercícios. Os medicamentos podem incluir AINEs, paracetamol ou outros medicamentos não opioides.

“Eu não prescrevo Tramadol para dor crónica. Ponto final. Os riscos ficam claros neste estudo”, garante Schwartz. “A verdadeira tragédia é que milhões de pacientes receberam prescrição de Tramadol quando o que precisavam era de alguém para investigar a causa real da dor. Trocamos soluções reais por receitas médicas, e os pacientes estão a sofrer por isso.”