“A perceção mediática é que é um descalabro”, mas, “apesar de tudo, é seguro nascer em Portugal”: o país tem das mais baixas taxas de mortalidade infantil, bem como das mais baixas taxas de mortalidade neonatal, perinatal e materna. Mas quem conhece bem o setor avisa: “Temos vindo a perder uma força de trabalho experiente”, fruto de saídas para a reforma ou para o privado”

Uma grávida foi ao Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) para uma consulta de rotina, em que lhe foi detetada uma hipertensão ligeira. No seguimento da consulta, foi avaliada nas urgências de obstetrícia, onde realizou exames e lhe foi despistada pré-eclâmpsia. Teve alta. Dois dias depois, dá entrada na mesma instituição de saúde, em paragem cardiorrespiratória, e acabou por morrer. Foi alvo de uma cesariana de emergência, mas o bebé esteve sempre em coma e não sobreviveu mais do que 24 horas.

 

No dia seguinte à morte desta grávida, é notícia um bebé que nasce no carro dos pais, em Leiria, horas depois de a mãe ter tido alta de uma maternidade de Coimbra, com um centímetro de dilatação. No dia seguinte, um recém-nascido, em estado crítico, faz uma viagem de 270 quilómetros de ambulância, entre Portimão e Lisboa, porque o helicóptero do INEM não conseguiu levantar voo por razões climatéricas. Pelo meio, há notícia de urgências de obstetrícia e de pediatria fechadas ou condicionadas, por falta de profissionais para completar escalas.

Depois desta sequência de notícias, há uma pergunta que se impõe: afinal, é ou não seguro nascer em Portugal? Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde do primeiro Governo da ‘geringonça’, liderado por António Costa, e especialista em Saúde Pública não tem dúvidas em responder: “A perceção mediática é que é um descalabro. Gera desconfiança e medo. Mas, apesar de tudo, é seguro nascer em Portugal”.

O antigo governante socorre-se de números do Instituto Nacional de Estatísticas e da Pordata, da Organização Mundial de Saúde e da OCDE: “Portugal tem das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo”. A taxa de mortalidade infantil contabiliza o número de bebés que morrem no primeiro ano de vida, por cada mil nados vivos.

Evolução da mortalidade infantil em Portugal. Carregue aqui para ver o gráfico em tamanho maior. (Pordata)

Na verdade, apesar de uma ligeira subida de 2023 para 2024 (de 2,5 para três bebés mortos por cada mil nados vivos), Portugal continua a ser dos países com menor taxa de mortalidade infantil da União Europeia. Melhor posicionados do que em Portugal, de acordo com dados de 2023, só Itália (2,5), Chéquia (2,2), Suécia (2,1) e Finlândia (1,8). Sem sair da União Europeia, Portugal está à frente de países como França (4), Luxemburgo (4,3) ou Alemanha (3,2).

“A média europeia é de quatro e nós estamos nos três por mil”, corrobora Caldas Afonso, presidente da recém-criada Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente e diretor do Centro Materno-Infantil do Norte Albino Aroso (CMIN).

Taxa de mortalidade infantil na União Europeia em 2023. Carregue aqui para ver o gráfico em tamanho maior. (Pordata)

Portugal “entre os melhores da Europa e do Mundo”

Mas há outros números que importa conferir, entre eles os números da mortalidade neonatal, que contabiliza o número de óbitos nos primeiros 28 dias de vida. Em 2023, Portugal registou 1,6 bebés mortos no primeiro mês de vida por cada mil nados vivos. É ainda importante olhar parra taxa de mortalidade perinatal (a partir das 28 semanas de gestação e até ao fim da primeira semana de vida) e, em 2023, Portugal registou uma taxa de três bebés mortos por cada mil nados vivos. Em todos estes indicadores, Portugal está posicionado “entre os melhores da Europa e do Mundo”.

“Além disso, temos também a mortalidade materna [indicador que mostra as mulheres que morrem durante a gravidez, ou até 42 dias após o seu termo, por cada 100 mil nados-vivos]. É impossível reduzir a mortalidade materna a zero. Antes do 25 de Abril a mortalidade materna era altíssima. Nos últimos anos, tem havido algumas oscilações, sem nunca chegar nem perto dos números de outrora. Agora andará pelos 10,5. Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma mortalidade materna muito maior do que a nossa”, sublinha Nuno Clode, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-fetal.

Sobre o caso da grávida que morreu na última sexta-feira no Amadora-Sintra, Nuno Clode lembra que a “morte materna é completamente imprevisível” e decorre de causas muitas vezes também imprevisíveis, como hemorragias, infeções ou lesões durante o parto.

Ainda sobre o caso do Amadora-Sintra, Nuno Clode sublinha que “a sobrevivência de um bebé nas paragens cardiorrespiratórias das mães depende muito do momento em que é feita a cesariana”. “Se for feita nos quatro minutos seguintes à paragem cardiorrespiratória, há grandes chances de o bebé nascer bem e sem sequelas. Este bebé teve o azar de a mãe ter a paragem cardiorrespiratória fora do ambiente hospital e chegar ao hospital uns 20 ou 30 minutos depois”, resume.

“Hora pequenina”

Nuno Clode e Caldas Afonso não têm dúvidas em afirmar que “é seguro nascer e parir em Portugal” e sublinham que temos de olhar, por exemplo, para os partos em ambulâncias sob vários prismas, incluindo se é ou não o primeiro parto da mulher. Caldas Afonso lembra que “o trabalho de parto, numa primeira gravidez, pode demorar 48 horas; numa segunda gravidez pode desenvolver-se em minutos”.

“Partos em ambulâncias, são geralmente coisas que correm bem. É a filosofia da hora pequenina, que toda a gente quer”, acrescenta Nuno Clode.

O responsável da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-fetal teme, contudo, que haja um retrocesso no sucesso que é nascer no SNS português. Nuno Clode lembra que “sempre tivemos uma excelência de cuidados médicos e de enfermagem”, mas que “se tem vindo a perder uma força de trabalho experiente”, fruto de saídas para a reforma ou para o privado. E isso, acrescenta, vai refletir-se na formação dos novos profissionais.

“Do aeroporto para o hospital”

Caldas Afonso lembra que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem cada vez menos profissionais experientes. “Não conseguimos manter as 39 ULS abertas com serviços de qualidade. Os recursos humanos não permitem”, resume.

Ainda assim, nascer em Portugal é tão seguro que “há cada vez mais estrangeiras a procurarem-nos para terem os filhos”. “Não é a primeira que me vem uma pessoa quase direta do aeroporto para o meu hospital para parir. É um fenómeno que atinge sobretudo a Grande Lisboa, mas que acontece também aqui, no Grande Porto. Temos dos melhores planos de acompanhamento de grávidas e neonatal em Portugal. Aqui, toda a gente quer ter uma maternidade ao lado de casa. E o que importa é ter um serviço de qualidade. Há mais de mil portas abertas para assistência materno-infantil em Portugal. E em 99,9% faz-se um serviço de qualidade. Salvam-se vidas!”, sublinha o diretor do CMIN.

Adalberto Campos Fernandes recorda que a esmagadora maioria das mulheres que chega a Portugal a poucas semanas de terem os filhos trata-se de “grávidas que não estão estudadas”. “A gravidez não é uma fotografia. É um perfil. Uma coisa é uma grávida chegar a um parto com o seguimento todo feito, outra coisa é uma mulher chegar a um parto sem seguimento nenhum”, sublinha o ex-ministro.

Caldas Afonso diz não conseguir perceber “como é que as pessoas que vêm para Portugal só para terem os filhos”. “Precisam de um visto. Não percebo como é que, para a emissão do visto, não perguntam as condições de saúde, nomeadamente se estão grávidas e de quanto tempo está a gravidez. É contraindicado viajar de avião com 38 semanas de gravidez, por exemplo.”

Caldas Afonso reforça que, no Serviço Nacional de Saúde português, “quem quer que venha é seguido até fim da linha, sem perguntar se tem dinheiro ou não, se tem seguro ou não ou sequer de onde vem”.