“Eu não leio homens” – me disse a moça empoderada, com olhar convicto. Não é bom começo de conversa para um menino como eu, que vive de escrever.

Em quatro palavras, ela abriu mão de Faulkner, Camus, Saramago, Ubaldo, Guima, Pessoa – e tantos outros. Abdicar deles é deixar de conhecer a história do pensamento. Terá ela lembrado que Chico Buarque é homem? Neste caso, pergunto: pode ouvir, mas não pode ler?

Saí da reunião cheio de implicâncias. Não curte Faulkner? Azar o seu. Eu curto, e vou inclusive pôr isso no LinkedIn. Mas, verdade seja dita: ler só mulheres é briga justa. Sororidade literária, reserva de mercado – chame do que quiser. São poucas as escritoras publicadas, comparando com os homens. Falta de qualidade não é. Cecília Meirelles e Simone de Beauvoir estão aí pra provar.

‘Eu não leio homens’ – me disse a moça empoderada, com olhar convicto. Procurando respostas, descobri que o problema é também uma conexão com o universo feminino. Não é só posicionamento político. Foto: Milenko Djilas/Adobe Stock

Também são pouquíssimas as pintoras. Judith Leyster (1609 – 1660) teve a autoria de seus quadros roubada por Frans Hals – seu tutor. Artemísia Gentileschi (1593 – 1653) penou até mais: foi estuprada pelo mestre Agostino Tassi. E ficou por isso mesmo. Ninguém falou uma palavra, e acabaram todas invisibilizadas, sem créditos. Se as mulheres não tinham voz até o século 20, como teriam pincéis? Ou máquinas de escrever? Mas, até então, eu achava que ler só mulheres era posicionamento político.

Aí fui ler Uma Noite com Sabrina Love, do Pedro Mairal. Nele, Daniel (17 aninhos) ganha uma noite com a maior estrela pornô da Argentina (a Sabrina). Sem um puto no bolso, o garoto foge de trem, passa fome, dorme na rua – até finalmente inaugurar sua vida sexual. Adorei o livro, porque já tive essa idade, lembro das dificuldades incontornáveis para conseguir transar, e adoraria ter tido uma noite com Sabrina Love. Me conectei. Não sei se uma mulher apreciaria a obra tanto quanto eu – porque transar com estrela pornô, sinceramente, é um tema mais de menino.

Entendi tudo: o problema é também uma conexão com o universo feminino. Não é só posicionamento político. Nem Chico Buarque está atualizado nos assuntos – porque não vive os conflitos delas na pele. Falta verdade, e por isso mesmo, as mulheres são tão importantes em uma sala de roteiro de ficção.

Pra mim, foi libertador: jamais vou compreender Carla Madeira como elas – mas sigo tentando. Saber o que se passa na cabeça das mulheres, seus problemas e perrengues, sempre será importante para o meu futuro. Quero saber onde está pegando. Sou pau mandado, preciso entender essas questões. O matriarcado já começou e elas vão dominar nossas mentes.