Novembro é mês de sensibilização do cancro da próstata. Contudo, há outros problemas de saúde sexual a levar os homens, incluindo os mais jovens, na casa dos 20 e 30 anos, ao médico. O mais curioso é que, muitas vezes, o verdadeiro tabu não está em falar com o médico: está sim em contar à pessoa com quem se partilha a vida
José Félix tinha 36 anos quando começou a sentir que algo não estava bem com o seu corpo. “Comecei por ter disfunção erétil e grandes dificuldades a urinar. Procurei vários médicos. Todos me disseram que era muito jovem para ter qualquer problema da próstata”.
Afinal, as suspeitas de José haviam de se confirmar. O diagnóstico de cancro da próstata havia de chegar anos depois. É nesses momentos que se coloca tudo em perspetiva. “O mundo cai completamente. Pensa-se logo na vida normal e na vida sexual. Com os tratamentos que se tem de fazer, é uma parte que vai deixar de existir, a parte sexual vai embora”.
É uma sensação partilhada por muitos homens com este tipo de diagnóstico. É como se, por não ter um pénis a funcionar, deixassem de ser homens, tal como a sociedade os entende. Nas conversas com os outros, é daqueles segredos que se guardam, ninguém quer dar a parte fraca.
“Uma dificuldade sexual é vista como uma castração da própria masculinidade. Isso, muitas vezes, não é falado com os amigos. Normalmente, quando há conversas entre homens, falam dos sucessos, não das dificuldades”, confirma o terapeuta sexual e de casal Fernando Mesquita.
“Ainda existem muitos homens, nos nossos dias, que optam por não procurar ajuda, precisamente para não divulgar um problema que têm, que é uma disfunção sexual”, reforça o urologista e andrologista Pedro Oliveira da Trofa Saúde.
José Félix partilha a sua história para que outros homens possam estar atentos aos sinais (DR)
Isto também é coisa de jovens de 20 e 30 anos
Novembro é azul, para sensibilizar para o rastreio e prevenção do cancro da próstata: deve ser feito a partir dos 50 anos, ou 45 se existirem antecedentes familiares. Em Portugal, são diagnosticados cerca de 6.000 casos por ano. Morrem perto de 2.000 homens – um número que poderia ser diminuído, uma vez que, com um diagnóstico precoce, as hipóteses de cura são muito maiores.
Tendemos a associar este diagnóstico a homens mais velhos. Contudo, quando falamos de saúde sexual masculina, é preciso compreender que há problemas – tal como vimos no caso de José – que afetam todas as idades. É o que confirma a experiência dos médicos dentro dos consultórios, com a procura de homens na casa dos 20 e 30 anos.
“O maior problema, principalmente nas camadas mais jovens, é eles próprios não aceitarem que é normal, nós não somos máquinas, e que é normal por vezes as coisas não correrem bem”, começa por apontar Fernando Mesquita.
Pedro Oliveira acrescenta que “mesmo até em populações cada vez mais jovens, a disfunção erétil é claramente uma das doenças mais prevalentes e uma das principais causas de procura de consulta”.
A causa desta ‘falha’ pode ser física. Ainda assim, entre os jovens, o motivo para não ter uma ereção satisfatória tende a ser psicológico. É a pressão, o stress, o cansaço, o receio de não conseguir ‘provar a sua masculinidade’.
Certo é que o lado físico e o lado psicológico tendem a juntar-se, independentemente daquele que esteja na origem do problema. É como se o homem entrasse numa espiral.
“Quando o homem falha uma vez, uma segunda e uma terceira, entra neste ciclo de já saber que vai falhar. Então, vai a medo, porque sabe que vai falhar”, ilustra Pedro Oliveira.
“No fundo, poderá não ter problema nenhum, mas passa a ser um problema quando fica preso nesses pensamentos”, simplifica Fernando Mesquita.
Fernando Mesquita confirma que, nos homens na casa dos 20 e 30 anos, a disfunção erétil tende a ter uma causa psicogénica (DR)
E isto acontece, também, pelo facto de os homens andarem sempre a comparar-se, a tentar medir a masculinidade por coisas como o tamanho do pénis, a permanente excitação sexual, o tempo que duram no ato sexual… e o tempo que querem durar.
“Há até pacientes que não têm problema do foro sexual, simplesmente pretendem ter uma performance melhor”, atesta Pedro Oliveira, para falar da procura de soluções que permitam ter ereções mais duradouras.
“Com a questão da performance, de fazerem sexo durante muito tempo, há mesmo muitos jovens que recorrem a este tipo de medicação, sem necessitarem. Depois acabam mesmo por ficar dependentes. Estamos a falar de químicos que podem ser comprados em farmácias ou em ‘sex shops’ também. Há questões psicológicas, de ansiedade, de autoconfiança”, junta Fernando Mesquita.
Pedro Oliveira confirma que há quem procure um urologista/andrologista apenas para melhorar a performance (DR)
Outra realidade é a da redução dos níveis de testosterona, que obrigam a tratamentos de reposição hormonal. A vida acelerada, com ritmos trocados e poucas horas de sono, não costuma ajudar neste indicador.
Quando, aos 36 anos, José Félix começou a sentir que algo não estava bem, também associou o cansaço ao diagnóstico. “Tinha criado uma microempresa. O dia a dia, o stress, o nervosismo da empresa, pensei que teria a ver com essa parte”, recorda.
E daí o conselho de quem tem passado os últimos anos a tratar a sua saúde sexual: “procurem sempre um médico”.
Reconstruir relações
José Félix, hoje com 60 anos, esclarece todas as dúvidas com Pedro Oliveira, o urologista/andrologista que o acompanha. “Foi uma sequela que ficou, afetou muito psicologicamente”, diz. Depois de 80 sessões de radioterapia, ficou com disfunção erétil. Acontece a um em cada três homens com cancro da próstata. Outra sequela frequente é a incontinência urinária.
“Numa situação destas, fica-se a pensar: ‘agora vou para casa, vou dizer à minha esposa, como é que vou explicar como é que vai ser daqui para a frente”, reconhece José. É a prova de que, para muitos homens, o mais difícil é explicar às famílias que as coisas, na cama e fora dela, vão ser diferentes.
No caso de José, a solução passou por uma prótese peniana, que o ajuda a ter ereções, replicando o funcionamento habitual do corpo. “A minha companheira aceitou tudo muito bem. Foi uma das coisas que me levou psicologicamente a seguir em frente. Foi uma força tremenda”.
José Félix conseguiu, com a ajuda de uma prótese peniana, voltar a ter uma vida sexual saudável (DR)
É um apoio que, confirma o médico Pedro Oliveira, faz toda a diferença: “existem imensos estudos que mostram que os doentes que têm uma parceira mais presente respondem melhor à terapia. É muito mais fácil tratar estes doentes porque acaba por ser um tratamento conjunto”.
O diálogo é a chave para o sucesso nesta nova realidade. Partilhar, confiar e interiorizar que o sexo não tem de ter sempre o mesmo protagonista: o pénis. “Há muitas coisas que a sexualidade permite fazer que não implicam necessariamente a presença de uma ereção. Talvez quando os homens deixarem de estar focados neste tipo de performance, as coisas corram de uma forma mais fácil e natural”, defende Fernando Mesquita.
O caminho para derrubar o estigma ainda é longo, mas já estão a ser dados os primeiros passos. “Os homens estão a perder a vergonha, procuram ajuda, mesmo homens mais jovens procuram ajuda”, diz Pedro Oliveira.
É que esta coisa de ser homem também implica assumir, com abertura, que os homens também têm de cuidar de si.