A perda de peso rápida pode desencadear queda temporária de cabelo. Especialistas explicam os sinais a que deve estar atento
Carol Saffran começou a tomar Ozempic há um ano para controlar os níveis de açúcar no sangue, depois de outros medicamentos não terem resultado. Estava pré-diabética, uma condição em que a glicemia está acima do normal, e o médico receitou Ozempic para evitar que evoluísse para diabetes. Agora está perto do peso ideal e tem consulta marcada para avaliar a diminuição dos níveis de açúcar no sangue – mas, depois de passar para a dose mais elevada de Ozempic, começou a notar outra coisa.
“Escovava o cabelo e olhava para a escova, e havia apenas um bocadinho mais [de cabelo] do que o normal”, afirma Saffran, 71 anos, da área metropolitana de Boston. “Não está a cair em tufos nem nada do género, mas definitivamente não está tão espesso como costumava estar. Parece mais fino. O meu cabelo não está tão volumoso quanto antes.”
Uma especialista em queda capilar do Tufts Medical Center, Farah Moustafa, diretora de laser e cosmética, diagnosticou Saffran com eflúvio telógeno: queda de cabelo causada por stress no organismo. No caso de Saffran, esse stress foi a perda de peso significativa desde que começou a tomar Ozempic, explica.
Carol Saffran afirma que o seu cabelo já não tem o mesmo volume de antes de tomar um medicamento GLP-1. (Cortesia de Carol Saffran)
Os medicamentos GLP-1 têm ganhado enorme popularidade nos últimos anos. Um inquérito divulgado pela KFF indica que cerca de um em cada oito adultos diz estar atualmente a tomar um GLP-1 para tratar uma doença crónica, para emagrecer ou para ambas as finalidades – um aumento de 6% desde maio de 2024.
Ainda assim, os efeitos secundários continuam a ser um dos principais motivos para algumas pessoas deixarem de os tomar. A queda de cabelo é menos frequente do que efeitos conhecidos como náuseas, vómitos ou obstipação, mas surge muitas vezes discutida em grupos de perda de peso online e entre amigos.
O que é o eflúvio telógeno?
Existem quatro fases no ciclo capilar. A primeira é a fase anágena, ou de crescimento. Seguem-se a fase catágena, ou de transição; a telógena, ou de repouso; e por fim a fase exógena, de queda. Normalmente, a fase anágena é a mais longa.
O eflúvio telógeno ocorre quando um número anormal de folículos capilares entra na fase telógena, ou de repouso, provocando queda superior ao normal.
Anthony Rossi, dermatologista do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, refere que o eflúvio telógeno surge frequentemente após períodos de stress, como parto, anestesia ou dietas muito restritivas.
“Sempre que as pessoas perdem uma quantidade significativa de peso, tipicamente num curto período, é sabido que isso pode desencadear um episódio de eflúvio telógeno, que basicamente consiste numa alteração do ciclo capilar em que uma percentagem anormal de folículos entra na fase de queda”, explica Aron Nusbaum, dermatologista e cirurgião de restauração capilar no Miami Hair Institute.
O eflúvio telógeno pode surgir três a seis meses depois “do evento desencadeador”, afirma, “seja ele stress físico ou emocional, um desequilíbrio hormonal, uma perda de peso acentuada, um novo medicamento, coisas desse tipo”.
Quando o corpo está sob stress, acrescenta, muitos dos cabelos em fase anágena, ou de crescimento, entram prematuramente na fase telógena, ou de repouso.
“O corpo tem de mudar a prioridade para o que é essencial. E o cabelo não é essencial”, refere Rossi.
A perda de peso acentuada, mais do que o medicamento em si, parece ser o principal mecanismo por trás da queda de cabelo associada aos GLP-1, afirma Nusbaum.
A desnutrição pode ter um papel importante
Brian Wojeck, especialista em medicina da obesidade na Yale School of Medicine, compara o fenómeno ao que acontece após uma cirurgia bariátrica, onde os pacientes frequentemente sofrem queda temporária de cabelo devido ao stress e à rápida alteração metabólica.
Wojeck suspeita que mudanças repentinas na nutrição ou nos níveis de vitaminas também contribuam. Algumas pessoas ponderam tomar multivitamínicos enquanto usam GLP-1 para tentar mitigar o problema, nota, embora “não existam grandes evidências de que tomar um multivitamínico vá impedir a queda de cabelo”.
Rossi afirma que alguns pacientes “estão num estado de desnutrição crónica” enquanto tomam GLP-1, porque a medicação reduz o apetite.
“Se não estiverem a consumir micronutrientes suficientes, o organismo deixa de privilegiar a fase de crescimento do cabelo”, sublinha. “É o resultado da combinação entre stress metabólico e um défice calórico e proteico.”
O problema, acrescenta, está a tornar-se mais comum à medida que os medicamentos são usados por pessoas que procuram apenas emagrecimento estético e que podem não estar a alimentar-se de forma adequada.
“O que agrava isto é que estão a ser usados de forma indiscriminada em spas médicos e em farmácias que fazem fórmulas manipuladas. As pessoas usam-nos de forma inadequada”, alerta.
“Muita gente que vemos a usá-los não é obesa; usa apenas para manter o peso ou optimizá-lo. Estão a começar com doses que provavelmente não deveriam usar”, aponta. “Isso faz com que não comam e absorvam menos ferro, zinco, vitamina D, vitaminas B e B-12, todos os aminoácidos essenciais presentes nos alimentos que normalmente ingeririam.”
Como resultado, as pessoas muitas vezes deixam de atingir os níveis nutricionais necessários para o crescimento do cabelo. Cada pessoa precisa de 1 grama de proteína por quilo de peso corporal por dia para renovar a queratina, além de níveis adequados de ferritina, zinco e vitaminas B, D e B-12 para terem um cabelo saudável, explica Rossi.
Alerta ainda que os GLP-1 podem ter efeitos mais sérios e não devem ser usados de ânimo leve. “São medicamentos reais, com efeitos secundários reais. A queda de cabelo, embora seja mais cosmética, pode ser devastadora. Mas pancreatite, náuseas e vómitos são problemas sérios.”
Outras teorias
Também podem existir outros fatores envolvidos, afirma Spencer Kobren, fundador da American Hair Loss Association.
Embora “grande parte da queda de cabelo relatada após o início de GLP-1 possa ser eflúvio telógeno temporário causado por emagrecimento rápido ou stress nutricional”, acredita que “é plausível que, em pessoas geneticamente predispostas à alopecia androgenética, os GLP-1 possam desencadear o seu início precoce”.
Nusbaum, do Miami Hair Institute, refere que tem começado a “ver vários pacientes com alopecia androgenética subjacente – a calvície masculina ou feminina – em que essa condição está a ser agravada pelos medicamentos”.
A alopecia androgenética tem um padrão distinto. Nas mulheres afeta sobretudo a linha frontal onde o cabelo encontra a testa. Nos homens afeta sobretudo as têmporas e a região do topo da cabeça (vértex). Já o eflúvio telógeno causa queda difusa e enfraquecimento do cabelo em todo o couro cabeludo.
Nusbaum aponta para um estudo publicado no Journal of the American Academy of Dermatology que analisou uma possível associação entre alopecia androgenética e GLP-1, embora as conclusões tenham sido inconclusivas.
“Na literatura, ainda não há uma associação forte, mas clinicamente estamos a ver muitos pacientes com eflúvio telógeno ou alopecia androgenética que acreditamos serem de alguma forma causados pelo uso destes medicamentos”, diz Nusbaum.
Outros especialistas mostram-se mais céticos
“Pelo que sei, o mecanismo mais bem descrito para a queda de cabelo associada a estes novos agentes para a perda de peso é o eflúvio telógeno. Outras hipóteses estão a ser investigadas, mas permanecem especulativas”, comenta Wojeck.
Rossi acrescenta: “A alopecia androgenética é um padrão. Chamamos a isso queda de cabelo padronizada. É gradual.”
Um porta-voz da Novo Nordisk afirmou à CNN que a queda de cabelo é um risco identificado com o semaglutido e está listada como efeito secundário.
“Por exemplo, nos ensaios clínicos do Wegovy, a queda de cabelo foi reportada em 2,5% dos adultos tratados com Wegovy versus 1% no grupo placebo. Foi reportada com mais frequência em pessoas que perderam mais peso (≥20%), sugerindo que possa estar relacionada com a magnitude da perda de peso. A alopecia também aparece nas secções de experiência pós-comercialização da informação de prescrição de Ozempic e Rybelsus”, aponta.
Um porta-voz da Eli Lilly afirma igualmente que “a queda de cabelo tem sido observada com intervenções de perda de peso” e que o efeito está assinalado nos rótulos de Zepbound, mas não nos de Mounjaro, uma vez que este “é um adjuvante à dieta e ao exercício para controlo glicémico em adultos com diabetes tipo 2; não está aprovado para emagrecimento”.
“Esta referência surge no folheto do Zepbound porque a queda de cabelo pode ser uma reação adversa potencialmente associada à redução de peso”, acrescenta o porta-voz. O documento destaca ainda que, “nos ensaios clínicos do Zepbound, a queda de cabelo foi registada com maior frequência em mulheres do que em homens: 7,1% das mulheres versus 0,5% dos homens no grupo Zepbound, comparando com 1,3% das mulheres e 0% dos homens no grupo placebo.”
Tratamentos para a queda de cabelo
Os especialistas afirmam que o eflúvio telógeno associado ao uso de GLP-1 costuma ser temporário, mas quem notar queda de cabelo deve procurar avaliação médica. Em alguns casos, pode tornar-se crónico, com queda acima de seis meses, refere Rossi.
Como a queda resulta de stress no organismo, explica Moustafa, assim que o fator desencadeador é removido, os pacientes devem recuperar totalmente.
“O minoxidil oral é um medicamento muito eficaz, disponível por prescrição. Existem várias formas de intervir farmacologicamente para ajudar os pacientes a recuperar o cabelo mais depressa”, refere, incluindo o uso de minoxidil.
Isto é comum em pessoas que precisam de manter o medicamento que está a causar eflúvio telógeno, como quem necessita de continuar a usar a dose máxima de Ozempic, diz Moustafa. Saffran, que pretende continuar o Ozempic pelos outros benefícios, mas vai reduzir a dose e iniciar minoxidil.
No entanto, Nusbaum sublinha que “sem o diagnóstico correto, não há tratamento adequado”.
O processo começa com a exclusão de quaisquer outras causas.
“Analisamos vários parâmetros laboratoriais, procuramos défices vitamínicos e minerais, desequilíbrios hormonais e, normalmente, se for efluvio telógeno, corrigir a causa leva a uma resolução mais rápida da queda de cabelo e ao eventual crescimento”, afirma. “Existem tratamentos que ajudam a acelerar a interrupção da queda e a empurrar o ciclo capilar de volta para a fase de crescimento. Na alopecia androgenética, falamos de terapias de longo prazo.”
Para Saffran, Moustafa primeiro excluiu também outras causas.
“Quando a examinei, ela tinha uma densidade capilar impressionante de base, um cabelo realmente muito espesso e bonito”, refere. “Não havia sinais de queda de cabelo relacionada com a idade. “Por isso, acredito que esteja mesmo a viver um eflúvio telógeno puro.”
Moustafa aconselha quem usa GLP-1 e esteja preocupado com a queda capilar a “monitorizar a quantidade de cabelo que está a cair e o grau de perda de peso”, além de “defender os seus próprios interesses, discutindo estas questões com o médico que prescreveu o medicamento e pedindo um encaminhamento para acesso ao apoio necessário”.