Engenharia de Alimentos

Bebida bioenriquecida modula genes ligados ao aproveitamento de vitamina B9 e D

Fórmula contendo soro de leite e extrato de subprodutos da uva foi desenvolvida por pesquisadores da USP e testada em parceria com centro da Argentina

Engenharia de Alimentos

Bebida bioenriquecida modula genes ligados ao aproveitamento de vitamina B9 e D

Fórmula contendo soro de leite e extrato de subprodutos da uva foi desenvolvida por pesquisadores da USP e testada em parceria com centro da Argentina

Fórmula com probióticos foi analisada em camundongos submetidos a uma dieta deficiente de vitamina B9 (figura: Ana Clara Candelaria Cucick/criada com BioRender)

Thais Szegö | Agência FAPESP – A ingestão de uma bebida láctea fermentada e bioenriquecida feita com extrato de subprodutos da uva pode aumentar a expressão de genes relacionados à absorção e ao transporte de folato (vitamina B9) e de vitamina D pelo organismo. Foi o que mostraram testes in vitro e in vivo conduzidos por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e do Centro de Referência para Lactobacilos (Cerela-Conicet), em Tucumán, na Argentina. Os resultados da pesquisa foram divulgados no periódico científico Food Bioscience.

A vitamina D é essencial para a saúde óssea, a imunidade e o metabolismo (leia mais em: agencia.fapesp.br/55593). Alguns indivíduos não respondem à suplementação por não possuírem em suas células o receptor desse nutriente. Evidências da literatura científica sugerem que a ativação do receptor VDR estaria relacionada a um aumento na entrega de folato para diversos órgãos do organismo humano – nutriente vital para a formação de glóbulos vermelhos, a síntese de DNA e o desenvolvimento e funcionamento do tecido cerebral. Mas essa relação entre folato e vitamina D ainda era pouco explorada no intestino.

“Decidimos investigar como essa interação ocorre com as células intestinais, especificamente as do cólon, e avaliar se um leite fermentado bioenriquecido com folato poderia influenciar na expressão dos receptores de vitamina D e dos transportadores de folato no organismo”, diz Susana Marta Isay Saad, professora titular aposentada da FCF-USP e orientadora do estudo.

A bebida foi selecionada porque pesquisas anteriores do grupo da FCF-USP já tinham mostrado que algumas cepas de bactérias láticas probióticas e culturas de iogurte são capazes de produzir folato e que a presença de resíduos da indústria alimentícia de frutas e soja influenciava positivamente nessa produção.

Embora o mecanismo exato para que esses ingredientes influenciem na biossíntese desse nutriente ainda não esteja totalmente elucidado, os pesquisadores acreditam que a presença de fibras solúveis e compostos fenólicos no extrato de uva possa estar relacionada a esse efeito, promovendo condições que favorecem a produção de folato pelas cepas bacterianas.

O primeiro passo do projeto, que teve apoio da FAPESP, foi preparar uma bebida enriquecida com folato, formulada com subproduto de uva e soro de leite, e fermentada por microrganismos específicos potencialmente probióticos que aumentam o conteúdo natural da vitamina B9.

Inicialmente, a fórmula foi testada em uma linhagem de células intestinais humanas cultivadas em laboratório.

“Nesse experimento, observamos que no grupo de células tratadas com a bebida houve um aumento na expressão dos genes relacionados ao transporte de folato e do gene relativo ao receptor de vitamina D, em comparação ao grupo-controle [sem tratamento]”, explica Ana Clara Candelaria Cucick, que conduziu o experimento durante seu doutorado.

A fórmula com probióticos também foi analisada em camundongos submetidos a uma dieta deficiente de vitamina B9. Os animais foram divididos em seis grupos. O primeiro não recebeu nenhuma suplementação, tendo uma alimentação deficiente em folato; o segundo consumiu 15 mililitros da bebida bioenriquecida; o terceiro, a mesma quantidade de bebida láctea não fermentada; o quarto recebeu a mesma quantidade de bebida láctea não fermentada suplementada com ácido fólico na mesma concentração da bebida fermentada e vitamina D3; e o quinto ingeriu bebida fermentada bioenriquecida e suplementada com vitamina D3. O sexto foi usado como controle, sendo o grupo que recebeu dieta normal, com folato.

“Após 21 dias de experimento, analisamos o sangue e o intestino dos camundongos. Ficou evidente que a bebida fermentada ajudou a evitar sinais de deficiência de folato nos camundongos, mas sua absorção pode ter sido limitada por características da própria matriz láctea. Pequenas mudanças na formulação, como uma menor adição de soro de leite, podem mitigar esse problema”, diz Cucick, que integra o Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.

Assim, foi possível observar que a falta de folato na dieta reduziu significativamente a expressão do receptor VDR da vitamina D no cólon de camundongos, indicando que o metabolismo do folato pode estar relacionado à ativação do receptor de vitamina D no órgão. “Esse achado é muito importante porque pode abrir caminho para novas pesquisas, ajudando a entender melhor essa relação e até levando a descobertas com aplicações terapêuticas”, afirma a pesquisadora.

O trabalho abre caminhos para o desenvolvimento de alimentos funcionais que possam contribuir para a saúde intestinal e nutrição humana, já que o aumento da expressão do gene do receptor de vitamina D no cólon pode trazer diversos benefícios, principalmente ação anti-inflamatória. Mas ainda são necessários estudos adicionais para otimizar a fórmula da bebida e garantir sua eficácia, além de outras pesquisas com modelos animais, e futuramente clínicos, para confirmar os achados e esclarecer os respectivos mecanismos.

O artigo Impact of folate bio-enriched fermented beverage on vitamin D receptor and folate transporters expression in the colon: Insights from in vitro and in vivo studies pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2212429225002822.