A popularização das canetas emagrecedoras em farmácias, consultórios e redes sociais levantou dúvidas sobre outro tratamento que vem sendo usado há décadas para o tratamento da obesidade: a cirurgia bariátrica.

Nos EUA, uma pesquisa mostrou que, entre 2022 e 2023, a prescrição desses novos medicamentos —chamados agonistas de GLP-1— mais que dobrou, enquanto a realização de cirurgias bariátricas caiu cerca de 25% no mesmo período. O CEO de uma empresa farmacêutica chegou a dizer, em uma entrevista, que a intervenção cirúrgica deve acabar.

Mas especialistas no tratamento da obesidade afirmam que a cirurgia bariátrica continua sendo a melhor opção para casos graves e que canetas e bisturis não são rivais e cada vez mais têm sido usados em conjunto, como aliados no combate ao problema.

“Eu não entendo que exista uma bala de prata para o tratamento de uma doença crônica como a obesidade. Hoje, o que mais se trabalha é com a individualização”, afirma o endocrinologista Fábio Trujillo, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica). “A cirurgia bariátrica não vai deixar de existir. É um procedimento efetivo, que reduz as complicações da obesidade.”

Via de regra, a cirurgia é indicada para pacientes com IMC (índice de massa corporal) acima de 40 ou acima de 35 com outras doenças associadas. Em maio deste ano, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução incluindo como elegíveis os pacientes com IMC entre 30 e 35, desde que tenham algumas complicações específicas, como diabetes tipo 2, apneia do sono grave ou refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica.

“Levamos em consideração muitos dados clínicos para decidir o tipo de tratamento para cada paciente: o tempo de diagnóstico, os tratamentos que ele já fez, como é a alimentação, se ele pratica exercícios, a idade, a condição hormonal, as complicações que ele apresenta”, enumera a endocrinologista Cynthia Valério, pesquisadora do IEDE-RJ (Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione) e sub-coordenadora do departamento de obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Levamos em consideração muitos dados clínicos para decidir o tipo de tratamento para cada paciente: o tempo de diagnóstico, os tratamentos que ele já fez, como é a alimentação, se ele pratica exercícios, a idade, a condição hormonal, as complicações que ele apresenta

O custo também é um elemento importante nessa equação. A bariátrica está disponível pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e por seguros de saúde, diferentemente das canetas.

“Há pacientes mais jovens que consideram que vão ter que fazer um tratamento de longo prazo e optam pela cirurgia porque tem a cobertura dos planos de saúde. Mas isso é sempre individual, pois há de se levar em conta que, no pós-operatório, também existe um acompanhamento envolvido, suplementação de vitaminas. Não é uma solução mágica”, diz a médica.

Ela acredita que, com a eficácia das novas medicações, a cirurgia deve ser mais direcionada para pacientes com “superobesidade” —que, muitas vezes, vão precisar dos remédios para se preparar para o procedimento. “E a gente vai ver cada vez mais essas indicações, porque existe um aumento dos casos de IMC acima de 60, que vão precisar de uma perda de peso inicial e uma melhora clínica para poderem ir para a mesa de cirurgia.”

Com mais de 30 anos de experiência nesse tipo de operação, o cirurgião Luiz Vicente Berti, diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, diz que os pacientes que o procuram geralmente já tentaram outras alternativas. “Dificilmente chega uma pessoa no consultório que já não tenha feito inúmeras dietas e inúmeros tratamentos”, afirma.

Ele compara o tratamento da obesidade a uma escada, em que o primeiro degrau é a mudança no estilo de vida, o segundo, os remédios e o último, a cirurgia.

“Dependendo do grau de obesidade e das complicações, é preciso ir subindo os degraus. E quem já está gravemente doente vai direto para o último degrau”, diz. “Nós, cirurgiões, nunca competimos com o tratamento clínico. Não podemos ser irresponsáveis de indicar uma cirurgia para quem ainda não precisa nem de prolongar o tratamento de uma pessoa quando ela já tem a indicação da cirurgia. O médico não está aqui para seguir modismos, ele tem que entender em qual degrau da ‘escada’ o paciente está.”

Segundo Berti, tem sido cada vez mais comum o uso das canetas antes e após a cirurgia —para casos de reganho de peso, por exemplo— e já existem estudos mostrando a eficácia e a segurança da combinação das duas abordagens.

Para o especialista, o problema é quando um médico indica para todos os pacientes apenas a abordagem que ele sabe fazer. “Não posso querer fazer cirurgia em todo mundo só porque sou cirurgião, assim como o clínico não pode só querer dar remédio. Não pode ser a medicina do remédio ou da cirurgia. Tem que ser a medicina da obesidade.”

Ele também ressalta a importância do primeiro degrau (ajustes na alimentação e prática de exercícios), independentemente do procedimento adotado. “Os pacientes têm que querer emagrecer, e não querer ser emagrecidos.”

Com 1,53 metro de altura e 93 kg, a economista Vanessa Bartel, 36, utilizou duas canetas agonistas de GLP-1 diferentes, mas não conseguiu emagrecer o que precisava (30 kg). Por ter resistência à insulina, colesterol alto, uma profissão estressante e histórico de infarto na família, acabou optando pela bariátrica. “Já estava com um problema de saúde muito sério e vi que a caneta não ia resolver no curto prazo”, conta.

Um ano depois da operação e 33 kg mais magra, ela diz que teve que fazer um “reset” no cérebro para se acostumar a comer melhor. “A bariátrica foi importante, mas o acompanhamento psicológico e a reeducação alimentar fizeram toda a diferença. Hoje, sou mais feliz comendo uma fruta do que uma bolacha recheada”, garante.

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