Quem consome substâncias psicadélicas em Portugal prefere ingerir MDMA/ectasy, fazê-lo de forma recreativa e ocasional e não tenciona experimentar mais nada. Os consumidores destas substâncias em Portugal podem constituir um caso à parte no mundo das drogas.
O estudo quantitativo que o ICAD acaba de divulgar, e que resulta dos inquéritos online promovidos pela Agência da União Europeia sobre Drogas, em colaboração com os pontos focais em cada um dos países membros, em Maio passado, vai nesse sentido.
Os utilizadores de drogas com 18 ou mais anos que o preencheram apontam para um “uso psicadélico que está longe de ser tendencialmente regular e frequente, e a prova disso é que, apesar de a grande maioria dos respondentes manifestar a intenção de usar psicadélicos novamente, predomina a vontade de o fazer apenas de forma ocasional, especialmente entre os que se consideram utilizadores recreativos”, lê-se naquele estudo, Consumo de Psicadélicos em Portugal 2024.
O que dizem os participantes neste estudo, os que afirmaram ter consumido um dos 10 psicadélicos assinalados (482 em 1098 inquiridos), é que o seu consumo, e a escolha do que se consome, varia bastante em função do contexto e do papel que este pode desempenhar na experiência cognitiva. Oitenta e um por cento da amostra admitiu já ter ingerido MDMA.
Esta amostra, com predomínio masculino situado nos 61%, e ensino superior completo na fasquia dos 65%, revela que o seu consumo não remete para o hábito diário e dependente que se pode associar à ingestão de determinadas substâncias, como a heroína e o crack e classificam-no como mais positivo do que negativo.
Há dois aspectos fundamentais numa experiência deste tipo, aquilo que na gíria se chama set (as diferentes expectativas de cada utilizador) e o setting (os contextos de consumo).
Nestes casos, a avaliar pela amostra, há uma forte componente recreativa na escolha de substâncias como o MDMA (80%) e uma componente espiritual na escolha da ayahusca. Esta beberagem oriunda da bacia amazónica, popular há milhares de anos entre tribos índias brasileiras ou peruanas, é utilizada para fins religiosos pelas chamadas igrejas ayahuasqueiras do Brasil, que se encontram pelo mundo todo, incluindo Portugal.
Enquanto o MDMA é utilizado em ambientes festivos e convida à dança, a ayahuasca, que provoca uma purga interior, pelo que não se adapta a contextos recreativos, convida à introspecção, com uma variável dose de xamanismo, dependendo se é ingerida num retiro new age em Cascais ou nos confins da Amazónia.
Todavia, há um crescendo de interesse pelo universo das substâncias psicadélicas, num quadro daquilo que tem sido designado como “renascimento psicadélico”, quer devido ao aumento do consumo, quer à sua maior utilização terapêutica e envolvimento clínico, depois de décadas de anátema, por causa da guerra às drogas iniciada por Nixon nos EUA. Esse crescimento traduz-se nesta percentagem: 33% da amostra assume-se como psiconauta, um termo inventado pelo escritor alemão Ernest Junger e que se aplica a todo os que procuram explorar estas experiências cognitivas.
Convém referir que o termo psicadélico reúne substâncias díspares, seja farmacologicamente, seja psicoativamente, mas também ao nível dos “padrões, contextos, representações e consequência do consumo”. Substâncias como MDM ou quetamina (ketamina) só encaixaram recentemente nesta classificação, por causa da sua utilização clínica, no tratamento da perturbação do stress pós-traumático ou da depressão grave.
Embora nenhuma delas cause efeitos alucinogénios, certas dosagens das duas substâncias podem “dar azo a alterações neurossensoriais suficientemente fortes para, na opinião de alguns, poderem ser usados como forma de tratamento em algumas perturbações psiquiátricas”.
O estudo em questão arrumou as substâncias em dois grupos. MDMA, LSD, psilocibina, quetamina e as chamadas novas substâncias psicadélicas são arrumadas em virtude dos seus efeitos psicadélicos e a salva divinorum, DMT, ayahuasca e mescalina enquanto psicadélicos clássicos.