Não cresceu rodeado de tecnologia, mas, alguns anos depois, era no jogo “Realm of the Mad Dog” que passava grande parte do tempo, jogando online com estranhos que se tornariam amigos. E, segundo argumenta a defesa, terão sido alguns desses contactos mais velhos feitos através da Internet a dar conhecimentos sobre programação e a convencê-lo depois a criar o RaidForums. Foi, no entender dos seus advogados, sujeito a uma prática denominada online grooming, uma manipulação feita online sobre um jovem para o levar a uma determinada conduta ou ação.
Sem grandes amizades no mundo real — face a uma difícil adaptação à vida em Londres, para onde a família se tinha mudado quando tinha cerca de 9 anos —, foi no mundo virtual que se refugiou. Diogo Santos Coelho revelou ter sofrido bullying na escola Winterbourne (só para rapazes) que frequentou e acabou por não concluir o ensino secundário. Com a mãe a sofrer da doença de Huntington (que aniquila progressivamente as células cerebrais) e posteriormente remetida a um lar, o jovem acabou por regressar a Portugal — contra a sua vontade — com o pai.
“Não tinha muitas amizades e em casa também tinha muitos problemas e não conseguia falar com os meus pais. Eles não tinham tempo para mim”, contou o hacker português.
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Números de identificação bancária, dados de cartões de pagamento, números de contas de cartões, valores de verificação, bases de dados de credenciais de início de sessão, meios de identificação, emails e até números de segurança social — tudo isto estava ao dispor dos membros do RaidForums pelo valor certo.
Segundo o MP, foram estabelecidos no RaidForums quatro tipos de adesão com diferentes custos e níveis de acesso: gratuita, adesão VIP, adesão MVP e adesão de Deus, sendo que esta última conferia aos membros subscritores um acesso quase ilimitado às funcionalidades da plataforma. No centro da ação estava “Omnipotent”, ou Diogo Santos Coelho, que usava também outros nomes de utilizador no website, como “Downloading”, “Shiza” e “Kevin Maradona”.
Através da venda de créditos — e onde a moeda era habitualmente bitcoin —, Diogo Santos Coelho conferia, assim, acesso a determinadas áreas do RaidForums, permitindo aos utilizadores desbloquear e transferir os dados, informações e dispositivos de acesso obtidos de forma ilegal. Estes créditos podiam ainda ser alcançados através do fornecimento de instruções sobre como aceder a dados pessoais e financeiros de terceiros e sem permissão das entidades afetadas, que foram, na sua maioria, norte-americanas.
A plataforma disponibilizava diferentes fóruns e subfóruns, destacando-se neste processo o “Leaks Market”, no qual os membros podiam comprar, vender ou pedir a comercialização de dados confidenciais. Diogo Santos Coelho lucrava com a plataforma, na ótica do MP, por duas vias:
- Pela venda de dados alcançados mediante a retirada de informação dos sistemas informáticos de diferentes entidades
- E pela disponibilização de um serviço de intermediação nas transações
Essa intermediação assentava em Diogo Santos Coelho, que funcionava como uma espécie de seguro: em troca de uma comissão paga em criptomoeda ao RaidForums, quer os compradores, quer os vendedores podiam fechar negócio entre si, com o arguido a fazer uma validação do conteúdo dos ficheiros. No fundo, dava uma garantia às partes envolvidas de que o conteúdo correspondia efetivamente ao que era solicitado.
O problema para o arguido foi que a justiça norte-americana já estava a seguir de perto a atividade no RaidForums e o jovem português acabou por se envolver em transações com agentes do FBI que se ‘infiltraram’ na plataforma.
Com o crescimento da plataforma, o hacker português criou no dia 4 de março de 2018, quando tinha apenas 18 anos, uma conta Paypal para transferir os proveitos obtidos no RaidForums. Dez dias depois, Diogo Santos Coelho criou uma segunda conta, desta feita no banco Santander, para onde reencaminhava o dinheiro proveniente dos criptoativos. E entre 14 de março de 2018 e 18 de novembro de 2020, o Observador sabe que foram creditados 634.502,97 euros nessa conta.
Os fundos canalizados para essa conta serviram para financiar as suas despesas diárias, mas também para apostar em alguns investimentos de maior dimensão. O maior desses investimentos foi a compra de uma moradia em Vila Nova de Famalicão por 234.500 euros (211.200 euros no imóvel e 23.300 euros de comissão para a agência imobiliária).
No entanto, não seria o único gasto avultado, já que no dia 20 de dezembro de 2019, com somente 19 anos, Diogo Santos Coelho gastou 66.184 euros na aquisição de um automóvel Tesla.