O uso prolongado de suplementos de melatonina pode estar associado a um risco maior de insuficiência cardíaca, segundo uma nova investigação — mas quer isso dizer que quem a toma para dormir deve parar de tomá-la imediatamente?
Numa análise de registos de saúde eletrónicos, milhares de adultos com insónia crónica que tomaram melatonina durante um ano ou mais apresentaram um risco 90% superior de desenvolver insuficiência cardíaca nos cinco anos seguintes, em comparação com participantes com os mesmos fatores de saúde que não tomavam o suplemento. Os utilizadores de melatonina apresentavam ainda três vezes mais hipóteses de ser hospitalizados devido a insuficiência cardíaca e cerca do dobro da probabilidade de morrer por qualquer causa.
No entanto, os especialistas alertam para não considerar a melatonina como um risco garantido. O estudo apresenta limitações significativas, não foi concebido para provar uma relação de causa e efeito e contrasta com investigações anteriores que apontam benefícios para a saúde cardíaca.
A investigação também ainda não foi revista por pares nem publicada numa revista científica, mas foi apresentada na reunião Scientific Sessions 2025 da American Heart Association, que decorreu de 7 a 10 de novembro.
“Os suplementos de melatonina são amplamente considerados uma opção segura e ‘natural’ para melhorar o sono, pelo que foi surpreendente observar aumentos tão consistentes e significativos em resultados graves de saúde, mesmo após terem sido considerados vários fatores”, afirma Ekenedilichukwu Nnadi, autor principal do estudo e chefe de medicina interna no SUNY Downstate/Kings County Primary Care, em Brooklyn, EUA, em comunicado.
No entanto, “embora a associação que foi identificada suscite preocupações de segurança relativamente a este suplemento amplamente utilizado, o nosso estudo não pode provar uma relação direta de causa e efeito”, esclarece Nnadi. “Isto significa que são necessárias mais pesquisas para avaliar a segurança da melatonina para o coração.”
A melatonina, produzida naturalmente no cérebro, é uma hormona segregada pela glândula pineal em resposta à escuridão, para ajudar o corpo a preparar-se para o sono.
A melatonina presente nos suplementos pode ser obtida a partir das glândulas pineais de animais ou produzida sinteticamente através de um processo químico.
Nos Estados Unidos, como a melatonina é vendida como suplemento alimentar, os fabricantes não estão sujeitos ao mesmo nível de controlo de segurança e aprovação dos medicamentos pelo regulador, a Food and Drug Administration (FDA). Isto significa que os suplementos de melatonina podem conter doses muito superiores do ingrediente ativo às indicadas ou necessárias, bem como aditivos ocultos potencialmente prejudiciais.
A insónia crónica, que afeta cerca de 10% da população mundial, é definida como a dificuldade em adormecer ou voltar a dormir durante mais de 30 minutos, até três vezes por semana, durante mais de três meses. Pode provocar problemas de memória, fadiga diurna, alterações de humor, dificuldades de pensamento e concentração, impacto no desempenho profissional ou escolar e na vida social.
Um médico pode ajudar a determinar se a insónia surge por si só ou é provocada por um fator subjacente, como uma condição médica ou uma situação de stress, e indicar a forma mais adequada de a tratar — ajustar a rotina de sono, fazer terapia para sofrimento mental ou emocional, recorrer à terapia cognitivo-comportamental para insónia, tomar medicação ou tratar uma condição médica existente.
Melatonina e a saúde do coração
Os suplementos de melatonina são frequentemente apresentados como uma ajuda segura para o sono, mas, segundo os autores, ainda não existem dados suficientes sobre a sua segurança a longo prazo para a saúde cardiovascular.
A equipa de investigação analisou mais de 130.000 adultos com registos de saúde na TriNetX Global Research Network, uma grande base de dados eletrónica internacional. Tinham, em média, cerca de 55 anos, e 61,4% eram mulheres. Os participantes com registo de uso de melatonina durante mais de um ano foram incluídos no “grupo da melatonina”, enquanto aqueles sem qualquer registo de uso do suplemento integraram o “grupo sem melatonina”.
Estes fatores implicam algumas limitações importantes, como destacaram os autores e especialistas independentes.
A base de dados inclui pacientes de países que exigem receita médica para a melatonina, como o Reino Unido, e de países que não exigem, incluindo os Estados Unidos — pelo que o grupo de controlo pode incluir inadvertidamente adultos que tomam melatonina sem receita, o que não ficaria registado nos seus registos médicos, explica o médico Carlos Egea, que não participou na investigação, num comunicado divulgado pelo Science Media Centre. Egea é presidente da Federação Espanhola de Sociedades de Medicina do Sono.
Os investigadores também não tinham informações sobre a gravidade da insónia dos participantes nem sobre a existência de problemas de saúde mental, ambos fatores que podem influenciar o uso de melatonina e os riscos para a saúde cardíaca, indica Nnadi.
A insónia tem sido associada a um risco mais elevado de enfarte ou acidente vascular cerebral. Ritmos circadianos desregulados — os relógios biológicos do corpo, nos quais a melatonina desempenha um papel — e a falta de sono têm sido ligados a maiores probabilidades de problemas cardiovasculares, incluindo insuficiência cardíaca.
Outras limitações incluem a falta de informação sobre a dosagem, aponta o Council for Responsible Nutrition, uma associação da indústria de suplementos alimentares e alimentos funcionais, em comunicado. “Décadas de experiência dos consumidores e vários estudos clínicos indicam que a suplementação de baixa dose e de curta duração é segura para adultos saudáveis quando utilizada conforme indicado”, esclarece.
O estudo desafia investigações anteriores, incluindo uma realizada em março que reuniu quatro estudos e concluiu que a suplementação com melatonina melhorava a qualidade de vida e a função cardíaca de pacientes com insuficiência cardíaca, segundo Egea.
A melatonina é também um antioxidante e os antioxidantes ajudam a proteger o ADN dos danos provocados pelo stress oxidativo, que ocorre quando há um desequilíbrio entre radicais livres e antioxidantes no organismo.
Antes de tomar remédios para dormir
Muitas pessoas recorrem à melatonina como solução a curto ou longo prazo para problemas de sono. No entanto, o suplemento tem sido associado, em alguns casos, a diversos efeitos secundários, incluindo dores de cabeça, náuseas, tonturas, sonolência, dores de estômago, confusão ou desorientação, tremores, pressão arterial baixa, irritabilidade, ansiedade ligeira e depressão.
Antes de recorrer a suplementos, “consulte o seu médico para obter um diagnóstico adequado da sua dificuldade de sono e, em seguida, discutir o tratamento mais apropriado”, aconselha Marie-Pierre St-Onge, diretora do Center of Excellence for Sleep & Circadian Research do departamento de medicina do Columbia University Irving Medical Center, no comunicado da American Heart Association. “As pessoas devem estar cientes de que a melatonina não deve ser tomada de forma crónica sem uma indicação médica adequada.”
Uma boa higiene do sono implica limitar a exposição à luz, o tempo em frente a ecrãs e o consumo de alimentos e álcool nas horas que antecedem o sono. O quarto deve estar escuro, fresco e silencioso.
Se optar por tomar melatonina, os especialistas aconselham escolher melatonina de grau farmacêutico, disseram à CNN num reportagem realizada em 2022 — procure o selo que indica que o produto foi testado pelo Programa de Verificação de Suplementos Alimentares da US Pharmacopoeia, uma organização independente sem fins lucrativos.